
Um áudio obtido pelo jornal Folha de S. Paulo revela que o coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Vale do Javari (AM), o tenente da reserva do Exército Henry Charlles Lima da Silva, pediu aos líderes do povo marubo que disparassem contra indígenas isolados caso fossem “importunados”. A declaração foi feita durante uma reunião na aldeia Paulinho, em 23 de junho.
“Eu vou entrar em contato com o pessoal da Frente [de Proteção Etnoambiental] e pressionar: ‘Vocês têm de cuidar dos índios isolados, porque senão eu vou, junto com os marubos, meter fogo nos isolados’”.
Henry Charlles Lima da Silva
O surgimento dos isolados na região é investigado pela Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, órgão que não é subordinado à Coordenação Regional, responsável pelas populações indígenas.
“Eles já entendem. Já pedem cesta básica, já falam português, já têm contato direto com a frente, não se justificam certas atitudes deles”.
Henry Charlles Lima da Silva
Segundo a reportagem, no entanto, a informação é falsa, uma vez que nenhum povo isolado fala português ou recebe cestas básicas. O mais provável é que Henry tenha se confundido com os korubos, outro povo da região.
Coordenador critica governo
Existe o registro de três tentativas de sequestro de uma mesma mulher pelos isolados, desde o início de 2020. Cerca de duas semanas antes da reunião, ela foi encontrada sozinha na mata, com as mãos amarradas. “São eles que estão saindo do território deles para importunar os marubos”, afirmou Henry.
“Não estou aqui pra desarmar ninguém, também não estou aqui para ser falso e levantar bandeira de paz. Eu passei muito tempo da minha vida evitando a guerra, mas se a guerra vier, nós também não vamos correr. Se vierem na terra de vocês, vocês têm todo o direito de se defender”.
Henry Charlles Lima da Silva
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Por fim, Henry ainda fez críticas ao governo. Segundo ele, a oposição impede que o governo aja na região.
“A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) vai, denuncia, e a gente fica nesse impasse”. Henry Charlles Lima da Silva
Advogado da Univaja fica indignado
“Recebo essa reportagem com muita indignação”, afirma o advogado Eliesio Marubo, procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
“Esse áudio de um representante do Estado brasileiro contra as populações indígenas isoladas coloca a discussão em um patamar gravíssimo. Ele põe as populações daquele lugar contra os isolados, incentivando um massacre. A gente sabe muito bem que o povo marubo detém a possibilidade de fazer contraofensiva aos isolados, e nós não queremos isso”.
Eliesio Marubo
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O advogado afirma que somente os indígenas contatados dispõem de armas de fogo.
O procurador jurídico também lembra, que, em 10 de junho, quatro representantes da Univaja que viajaram até a região logo após o caso do sequestro da mulher foram denunciados ao Ministério Público Federal (MPF) pelo presidente da Funai, o delegado da Polícia Federal (PF) Marcelo Xavier. A acusação foi de que eles não cumpriram a determinação de 14 dias de quarentena para entrar em terras indígenas com presença de isolados.
“Os membros da Univaja foram à aldeia Paulinho numa missão de paz, justamente para evitar o conflito entre os marubos e os isolados. A organização indígena tem uma posição forte no sentido de preservar o interesse dos povos indígenas isolados. Vamos buscar a responsabilização do agente público, que, no exercício da função, está colocando a vida de pessoas em risco. Não podemos fechar os olhos pra isso”.
Eliesio Marubo
Coordenador tem ‘postura preocupante‘
Para a subprocuradora-geral da República Eliana Torelly, coordenadora da 6ª Câmara (populações indígenas e comunidades tradicionais), “é extremamente preocupante que um servidor da Funai, órgão incumbido legalmente de zelar pelo bem estar das nossas populações indígenas, incite a violência entre as comunidades, especialmente dirigida contra grupos em isolamento voluntário, sabidamente mais vulneráveis”.
“O caso se reveste de maior gravidade ainda quando o agente público utiliza a omissão estatal como justificativa para o incentivo ao conflito armado entre indígenas. Os fatos já estão sob investigação do MPF, por meio da Procuradoria da República em Tabatinga (AM)”.
Eliana Torelly
Com informações do jornal Folha de S. Paulo