![fake](https://www.socialismocriativo.com.br/wp-content/uploads/2022/02/Bolsonaro-ajudou-a-propagar-fake-news-sobre-covid-pelo-mundo-22-02.png)
A propagação de fake news por parte do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de membros do seu governo sobre vacinas e tratamentos alternativos contra a covid-19 é um ponto crítico que atrapalhou o combate à pandemia, segundo o virologista Rômulo Neris. Ele faz parte da equipe Halo, uma iniciativa chancelada pela Organização das Nações Unidas (ONU) que busca combater notícias falsas que têm prejudicado o processo de imunização em todo o mundo.
“Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro, em vários momentos, não só não atuou em prol de suportar medidas adequadas sobre a pandemia como minimizou esforços para enfrentar o cenário. Vai desde a famosa frase ‘é só uma gripezinha’ a incentivos de aglomerações, ao não uso de máscaras e a terapias ineficazes sem validação e comprovação científica. Gerou uma falsa sensação de confiança em estratégias que não eram adequadas”, disse Neris.
O virologista também aponta falhas na postura do Ministério da Saúde mais além da desinformação promovida pelo presidente. “Faltou força nos protocolos, nos esforços de testagem. O Brasil sempre teve uma taxa de testagem da população muito baixa. Também houve demora na aquisição de vacinas lá atrás”, comentou. “Como profissional de saúde, minha avaliação é negativa porque muitas das medidas que esperávamos que fossem tomadas simplesmente foram negligenciadas ou minimizadas por diferentes esferas do governo federal.”
Neris, que é pesquisador e PhD em imunologia, diz que tem passado boa parte do seu tempo contribuindo para desmentir fake news e revela que o Brasil é a origem de muitas informações falsas que acabam se propagando para os países.
“Identificamos que muitas das fake news que estavam lidando em outros países surgiram no Brasil. Depois do início da vacinação, começamos a ver um processo de unificação das fake news. A gente vê um movimento mais ou menos coordenado de disseminação”, afirmou, ressaltando que seu trabalho está mais focado em esclarecer a informação, e não em investigar quem pode estar por trás da suposta coordenação.
O virologista explica que a desinformação já esteve presente em outras crises sanitárias da história, mas no momento atual é mais preocupante devido à velocidade que as fake news circulam nas redes sociais.
“Fake news em saúde é um problema sério porque elas matam a curto, médio e longo prazo. Com os avanços tecnológicos, a gente tem um tráfego de informações muito mais volumoso e mais rápido do que a gente tinha antes. E a disseminação de informação falsa acaba modelando dinâmicas populacionais inteiras durante a pandemia.”
Projeto Halo
Assim como Neris, outros cientistas do mundo todo atuam no projeto Halo e têm precisado dedicar grande parte do tempo em entrevistas ou gerando conteúdo em parceria com personalidades e influenciadores digitais para promover informação científica que ajude a acelerar o controle da pandemia. Segundo ele, profissionais de países como Reino Unido, Canadá, Índia, África do Sul e Austrália também são obrigados a atuar constantemente no projeto.
O cientista brasileiro comenta que suas vozes são importantes para informar a população corretamente, mas lamenta que a desinformação tenha um poder mais forte pela simplicidade das mensagens contidas nas fake news, que são mais facilmente absorvidas por parte da população do que explicações mais apuradas.
“Uma fake news tem sempre a mesma estrutura. Aparecem com um texto simples, uma mensagem clara, bastante apelativa, geralmente dando ordens. Atinge mais facilmente a população não especializada”, disse. “Nós, cientistas, precisamos transferir o vocabulário técnico para algo mais acessível para a população.”
Por isso, Neris defende que agências governamentais e líderes políticos sejam mais responsáveis e comprometidos com as soluções comprovadamente eficazes. “O uso de falas ou estratégias que acabaram servindo para fomentar e incentivar um comportamento contrário podem, sem dúvida, ter colaborado para o prolongamento da pandemia, o aumento do número de casos e, consequentemente, no aumento do número de óbitos”, observou. “Sempre que falamos de desinformação, é fundamental que a gente tenha agências de saúde encabeçando a propagação de informação adequada.”
Plataformas não querem comprometer lucro para combater fake news
A falta de comprometimento das plataformas digitais com o combate às fake news pode ser atribuída a interesses econômicos, diz o antropólogo e pesquisador David Nemer, do Centro Berkman Klein para Internet e Sociedade da Universidade Harvard.
Na semana passada, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) renovou a parceria com as plataformas para combater a divulgação de notícias falsas, a cerca de oito meses das eleições.
Em entrevista à Folha, Nemer disse que o que importa para as empresas é o engajamento.
“Elas não querem de fato agir de forma a diminuir engajamento, já que fake news geram engajamento, e engajamento é a forma pelo qual elas monetizam. Não querem comprometer o lucro com medidas que possam reduzir o efeito da desinformação.”
Segundo ele, mesmo depois da campanha que levou à invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, as plataformas não parecem muito preocupadas com os riscos políticos das fake news no Brasil. “Elas se sentem muito seguras para tomar essas atitudes”, diz ele.
David Nemer afirma que é preciso combater os “hubs de informação”, que correspondem a grupos de perfis que orquestram campanhas de informações falsas nas redes. Segundo ele, esses perfis são geralmente responsáveis por levar as fake news da “periferia” para o “centro” do debate público.
O pesquisador citou a fake news de que Jair Bolsonaro teria evitado uma guerra entre Rússia e Ucrânia.
“Uma conta estava liderando essa campanha. Deu para ver como uma pessoa, uma conta grande, foi suficiente. Você conseguindo identificar e retirando essa conta, você mitiga os efeitos da desinformação.”
Com informações do Valor Econômico e Folha de S. Paulo