
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mentiu e voltou a distorcer fatos em sua tradicional live semanal na noite de quinta-feira (15). Ele falou sobre temas relacionados à Covid-19 – índice de contágio, números da vacinação e a reiterada defesa do tratamento precoce -, inflação e juros, entre outros assuntos, dando a própria versão com dados equivocados.
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Convidado da transmissão, o presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Pedro Guimarães, também mentiu ao dizer que o país apresenta inflação baixa e ignorou expectativas do mercado de haver maior aperto monetário em 2021.
O UOL Confere – iniciativa do portal de notícias para combater e esclarecer as notícias falsas na internet – acompanhou o programa e verificou algumas das afirmações falsas de Bolsonaro e Pedro Guimarães.
Número de mortes reduziu após anúncio da CPI
A primeira informação falsa constatada é de que o número de mortes pela Covid-19 reduziu após anúncio de CPI da Pandemia instalada no Senado Federal nesta quinta.
“Sabemos da questão do vírus da Covid-19 mata muita gente, mas parece que os números começaram a cair depois que a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] do Senado incluiu também investigação em cima de governadores e prefeitos.”
Jair Bolsonaro
Na verdade, o Brasil registrou nesta quinta-feira (15) 3.774 mortes por Covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa . O número é maior do que os de quarta-feira (3.462 óbitos), de terça-feira (3.687) e de segunda (1.738), dia em que há tendência de menos registros por causa do funcionamento das secretarias estaduais aos finais de semana.
A oscilação não confirma queda efetiva dos dados desde o anúncio da criação da CPI da Covid-19, há apenas dois dias, porque ainda não há como observar a média móvel de notificações. A taxa calcula as mortes diárias com base na variação de óbitos dos últimos sete dias, o que reduz distorções caso os dados sejam represados pelos estados.
Cloroquina não funciona contra a Covid-19
Bolsonaro disse ainda que o “tratamento precoce” que utiliza cloroquina e hidroxicloroquina e não tem comprovação científica e ainda causa danos sérios para quem usa não é clandestino.
“Médicos fazem tratamento clandestino com cloroquina contra Covid-19. Não quero discutir cloroquina aqui, eu tomei e me safei, muita gente tomou e se safou, isso chama-se tratamento precoce, imediato ou off-label, o médico tem o direto de bem receitar o que achar que é melhor para o paciente.”
Jair Bolsonaro
Sem citar nomes, o presidente se referiu ao caso de uma paciente que morreu em Manaus, em 2 de março, após ser submetida a um tratamento experimental com cloroquina nebulizada.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, chegou a compartilhar nas redes sociais um vídeo em que a paciente aparece fazendo a nebulização — as imagens foram divulgadas pela médica responsável pelo tratamento. No entanto, o ministro fez a publicação 18 dias depois da morte da paciente. A postagem só foi apagada na tarde de quarta-feira (14) após o Twitter entender que as imagens violavam as regras da rede social.
Diferentemente do que alega Bolsonaro, a nebulização da hidroxicloroquina não tem aval dos protocolos de saúde dos hospitais nem mesmo dos fabricantes da medicação. Também não há evidências científicas de que a cloroquina seja eficaz contra o coronavírus.
A paciente de Manaus foi submetida ao tratamento sem ser informada sobre os riscos, o que contraria as normas brasileiras do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. À Folha de S.Paulo, a família da vítima afirmou que não foi informada pelo hospital de que ela havia sido submetida a um tratamento experimental.
Em defesa do argumento, no entanto, Bolsonaro citou o exemplo a posição do prefeito João Rodrigues, da cidade catarinense de Chapecó: “Lá, os médicos têm liberdade para receitar o que achar melhor. Se ele achar que é cloroquina, vai ser, ivermectina, vai ser, seja o que for”, afirmou.
O UOL constatou que, em Chapecó, a queda no número de casos foi enganosamente atribuída ao uso de cloroquina. O município adotou severas medidas de isolamento social, que cientificamente já demonstraram serem eficazes para conter a disseminação do vírus.
O Brasil não vacina mais do que a Europa
Como último argumento, também enganoso, o presidente afirmou que o “Brasil vacina mais do que toda a Europa junta. Tirando todos os países que produzem vacina, somos o que mais vacina no momento.”
Em números absolutos, o Brasil é hoje o quarto país que mais aplica doses por dia, atrás dos Estados Unidos, Índia e Reino Unido, segundo dados da plataforma Our World in Data. Os três, de fato, produzem insumos para vacinas contra Covid-19.
No entanto, é importante lembrar que essa não é a melhor forma de se avaliar a eficácia da logística de imunização, considerando a enorme população brasileira. Em termos proporcionais, o Brasil é o 11º, atrás de nações como Israel, Chile, Bahrein, Hungria, Uruguai e Sérvia. Nenhum desses produz a substância.
Caixa não dá prejuízo há quase duas décadas
Depois de esgotar o tema Covid-19, Bolsonaro aproveitou a presença do presidente da Caixa para afirmar que, antes do seu governo, a instituição financeira dava prejuízo. “No passado, as estatais davam prejuízo de dezenas de bilhões de reais, e agora dão lucro.”
A informação é falsa. Em nenhum dos governos anteriores, no entanto, o banco estatal deu prejuízo, tendo apresentado lucros nos anos da gestão Lula (2003-2011), Dilma (2012-2016) e Temer (2016-2018).
Em 2019, a Caixa atingiu o lucro líquido recorrente de R$ 14,7 bilhões, um aumento de 20,6% em relação ao ano anterior, graças principalmente à venda de títulos públicos federais. No ano seguinte, 2020, esse valor caiu para R$ 13,169 — 37,5% a menos, segundo a instituição financeira.
Inflação não é baixa
Outra informação falsa, esta divulgada pelo presidente da Caixa, é de que a inflação é baixa. Ele disse que “hoje temos uma inflação, mesmo sob qualquer parâmetro da história do governo brasileiro, baixa. Houve uma redução de juros que nunca houve, como inflação baixa, então a taxa de juros real, que é a taxa de juros nominal, menos inflação, ela existe pela grande confiança que existe do mercado na economia e no senhor”.
Em março, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), medidor da inflação no país, atingiu o nível mais elevado para o mês em relação aos últimos seis anos. O aumento, de 6,1%, foi impulsionado pela alta dos preços da gasolina e do botijão de gás.
É a primeira vez no ano que a inflação dos últimos 12 meses ultrapassa a meta, que é de 3,75%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos —ou seja, podendo variar entre 2,25% e 5,25%.
A fala de Guimarães também ignorou que o boletim Focus, relatório do Banco Central com as expectativas do mercado, apresentou nesta semana perspectiva de aumento da inflação e crescimento menor da economia.
Com informações do UOL