O governo de Jair Bolsonaro gastou mais de R$ 1,3 milhão dos cofres públicos para pagar ações de marketing de influenciadores digitais a favor do uso do “kit Covid“, denominação para o conjunto de medicamentos distribuídos pelo governo federal ao Sistema Único de Saúde (SUS) sem comprovação científica na eficácia para o tratamento do coronavírus.
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De acordo com a reportagem da Agência Pública, o valor foi investido pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Comunicação (Secom) e inclui R$ 85,9 mil destinados ao cachê de 19 “famosos” contratados para divulgar campanhas em redes sociais.
Em janeiro deste ano, a Secom contratou quatro influenciadores, que receberam um montante de R$ 23 mil para falar sobre “atendimento precoce”. A verba saiu de um investimento total de R$ 19,9 milhões da campanha publicitária denominada “Cuidados Precoces COVID-19“.
A ex-BBB Flávia Viana recebeu, sozinha, R$ 11,5 mil, segundo os documentos obtidos. No roteiro da ação, obtido pela Agência Pública por meio de um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Secom orientava a ex-BBB e os influenciadores João Zoli (747 mil seguidores), Jéssika Taynara (309 mil seguidores) e Pam Puertas (151 mil seguidores) a fazer uma postagem no feed e seis stories — todos no Instagram —, dizendo para os seguidores que, caso sentissem sintomas da Covid-19, era ‘importante que você procure imediatamente um médico e solicite um atendimento precoce’.
Tratamento anticientífico
Em outubro do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia publicado um estudo que demonstrava a ineficácia de diversos medicamentos, incluindo muitos do “tratamento precoce” brasileiro, contra a Covid-19. Durante a reunião que aprovou o uso emergencial das vacinas Coronavac e de Oxford, em janeiro deste ano, técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçaram a inexistência de tratamento precoce para o coronavírus.
Mais recentemente, em fevereiro, uma pesquisa no Amazonas comprovou o efeito contrário: pacientes que tomaram remédios do “tratamento precoce” para evitar ou tratar sintomas iniciais da Covid-19 tiveram maiores taxas de infecção que aqueles que não tomaram nada.
Paralelamente à ação com influenciadores liderada pela Secom, o Ministério da Saúde lançou a plataforma “TrateCov”, que recomendava cloroquina até para bebês. O Conselho Federal de Medicina pediu, em nota, que o aplicativo fosse removido “imediatamente” pelo Ministério.
O aplicativo saiu do ar em 20 de janeiro, menos de uma semana depois de seu lançamento.
“Tratamento precoce não existe. A gente não tem ainda nenhum medicamento comprovado que possa diminuir esses sintomas [de covid-19]”, afirma a epidemiologista Ethel Maciel. Ela explicou que atendimento precoce e tratamento precoce são coisas diferentes. “O atendimento precoce seria a pessoa procurar o sistema de saúde nos primeiros sinais de sintomas”. Mas criticou a campanha realizada pelo Ministério, considerando a superlotação das unidades de saúde e a falta de coordenação.
Pedido de desculpas
Nesta quarta (31), Flávia Viana foi Instagram para pedir desculpas por fazer propaganda sobre “tratamento precoce” contra a Covid-19. No stories, ela postou uma série de vídeos chorando após ter confirmado ter recebido dinheiro do governo de Bolsonaro para divulgar a procura por “atendimento precoce” contra a doença em sua redes sociais.
“Não me meto com político, acho que o que os governantes fazem com a gente é fazer todo mundo de palhaço, eu tenho nojo de falar de quem governa do nosso país. Não me interpretem mal, minha intenção foi de alertar e de cuidar”, lamentou Flávia. “Minha intenção ao fazer o trabalho foi única e exclusivamente ajudar. Intenção de cuidado com as pessoas que me assistem. Não acredito em tratamento precoce dessa doença tão louca que está espalhada por aí”, disse ela, que teria recebido R$ 11,5 mil por um publicação feita no dia 14 de janeiro.