O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou nesta sexta-feira (2) uma resolução que reconhece a identificação de gênero no sistema prisional. A partir de agora condenados que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis ou intersexuais devem cumprir pena em presídios que disponibilizem alas específicas para estes grupos.
De acordo com a norma, a partir de agora caberá aos juízes de execução penal avaliar a possibilidade de que essas pessoas “cumpram pena em locais adequados ao gênero autodeclarado”. Ou seja, uma vez que a pessoa se identifique e declare seu gênero, o juiz deverá informar os direitos garantidos pela resolução. Isso pode ocorrer a qualquer momento do processo penal.
“Em um sistema penitenciário marcado por falhas estruturais e total desrespeito a direitos fundamentais, a população LGBTI é duplamente exposta à violação de direitos”, afirma o conselheiro Mário Guerreiro, relator do processo, em nota.
A nova regra está de acordo com tratados internacionais assinados pelo Brasil, com a legislação sobre direitos humanos e com a Constituição, destaca o CNJ. Esta medida também será aplicada a adolescentes que cumprem medida socioeducativa e que se autodeterminem como parte da população LGBT.
As diretrizes para elaboração da Resolução foram sugeridas após um ano de debate com membros da sociedade civil interessados no tema. Segundo o CNJ, a medida vai beneficiar principalmente mulheres trans, que sofrem graves situações de violência e discriminação dentro dos presídios masculinos.
“O direito à não discriminação e à proteção física e mental das pessoas LGBTI tem amparo no princípio da dignidade humana, no direito à não discriminação em razão da identidade de gênero ou em razão da orientação sexual, no direito à vida e à integridade física, no direito à saúde, na vedação à tortura e ao tratamento desumano ou cruel”, diz nota do órgão.
CNJ e o encarceramento de pessoas trans
Atualmente, o Brasil lidera o ranking mundial de violência contra pessoas trans, de acordo com relatórios internacionais. A expectativa média de vida desta população é de 35 anos, contra os quase 80 anos de vida do brasileiro médio, informados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A Antra (Associação Nacional de Transexuais e Travestis) participou ativamente na construção da resolução representando a sociedade civil. Para a organização, a decisão é uma vitória para esta população.
“É um posicionamento institucional do CNJ sobre a questão e um ganho enorme. Mesmo que a resolução não seja obrigatória, ela vincula o juiz cobrando um posicionamento na forma prevista na resolução”, diz em nota.
Apesar de ser considerada uma medida essencial para evitar violações de direitos humanos nas prisões, celas específicas para pessoas LGBT não são realidade na maior parte do sistema carcerário no Brasil.
O CNJ destaca que, no País, apenas 3% das unidades prisionais (36 cadeias) possuem alas destinadas ao público LGBTI, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Outras 100 cadeias possuem celas exclusivas para essa comunidade. No geral, 90% das penitenciárias não possuem cela ou ala destinada a esse público.
Pesquisa
Dados da pesquisa “LGBT nas prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais”, lançada em 2019 pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em parceira com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), confirmam este dado: das 508 unidades prisionais pesquisadas, apenas 106 têm essa estrutura.
Este número equivale a uma unidade prisional com cela LGBT a cada 4,7 entre as que responderam a um questionário online da pesquisa. No total, há 1.499 unidades com ambientes como este no Brasil, de acordo com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), ligado ao Ministério da Justiça.
A presença desse tipo de estrutura muda de acordo com a região do País. O Sudeste representa 52,8% das unidades com celas específicas para pessoas LGBT. Este número cai para para 25,5% no Nordeste, 15,1% no Centro-Oeste, 5,7% no Sul e 0,9% no Norte, onde só existe em Ananindeua (PA).
A pesquisa é o primeiro diagnóstico oficial sobre LGBTs nas prisões brasileiras reforça necessidade de espaços específicos para evitar mais violência.
“Independente de governos, nunca houve esse olhar sobre a população carcerária”, disse Marina Reidel, diretora de promoção de direitos LGBT do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos em junho.
Segundo Reidel, a pesquisa terá outros desdobramentos. Um deles, é um projeto para educar agentes penitenciários sobre o trato com a população LGBT.
“A gente pensa na formação dos servidores. Porque é isso: muitas vezes as pessoas não sabem lidar. Estamos começando um diálogo com o sistema socioeducativo para pensar um relatório e outras ações”, disse.
Com informações do Huffpost.