Nos próximos dias, o Brasil passará a registrar 2 mil mortes diárias pela Covid-19. Dentro de algumas semanas, o país poderá cruzar a marca de 3 mil óbitos por dia em decorrência do coronavírus. Essa é a previsão do médico e neurocientista Miguel Nicolelis.
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O professor catedrático da Universidade Duke (EUA) concedeu entrevista ao jornal El País na quarta-feira (4). Ele defendeu que a única saída para lidar com a crise sanitária provocada pela Covid-19 é decretar um lockdown nacional pelas próximas três semanas. Para Nicolelis, aumentar o número de leitos já não é uma medida que resulte em redução do número de mortes por Covid-19.
Previsão para as próximas semanas
Questionado sobre o que esperar para as próximas semanas ou dias, Nicolelis afirmou que o país vai entrar numa situação de guerra explícita. O neurocientista comentou que quando houver 2 mil ou 3 mil mortes por dia nos próximos 90 dias resultará em 180 mil a 200 mil mortes em apenas três meses.
Nicolelis classificou o cenário brasileiro como um genocídio, já que muitas dessas mortes por Covid-19 poderiam ter sido evitadas.
“Nós podemos ter a maior catástrofe humanitária do século 21 em nossas mãos. A possibilidade de cruzar 2 mil óbitos diários nos próximos dias é absolutamente real. A possibilidade de cruzarmos 3 mil mortes diárias nas próximas semanas passou a ser real.”
São Paulo vai colapsar
O médico comentou a situação da cidade de São Paulo. Para ele, a maior cidade brasileira vai colapsar. Como ocorreu com Campinas e Rio Preto e que deve ocorrer em breve com Ribeirão Preto.
“A cidade de São Paulo não vai aguentar. O Hospital Emílio Ribas já está 100% e com fila de espera. O Hospital das Clínicas, que tem um dos maiores números de leitos de UTI do Brasil, está com 80% de ocupação e vai colapsar.”
Não adianta mais abrir novos leitos
Com relação à aposta de unidades da Federação de abrir novos leitos, Nicolelis considera a estratégia inadequada. Ele explicou que não tem mais médico nem enfermeiro. Além disso, a velocidade de crescimento do vírus é exponencialmente maior do que a capacidade de criar, equipar e por gente no leito de UTI.
“Não tem como combater isso criando mais vagas nos hospitais. É a típica estratégia de maquiagem. Aumenta os leitos, mas os leitos às vezes nem funcionais estão, mas vão para a conta e diminui a taxa de ocupação.”
Saída contra a Covid-19 é decretar lockdown nacional
Esta semana, governadores e secretários da Saúde pressionaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por medidas de enfrentamento à pandemia. O neurocientista avaliou que esses gestores estão cientes de que o Governo Federal não vai fazer nada, apenas quer transferir a responsabilidade pela crise.
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Nicolelis defende a necessidade de decretar lockdown de pelo menos 21 dias e pagar um auxílio financeiro para que as pessoas fiquem em casa.
“Estou sugerindo desde de novembro de criar uma Comissão Nacional com a sociedade civil, governadores e Supremo, que precisa decretar uma tutela judicial no Ministério da Saúde. Uma intervenção. E essa Comissão Nacional ficaria responsável por tomar decisões e supervisionar toda a logística.”
Falta liderança para enfrentar a pandemia no Brasil
Perguntado sobre o fato de a população sequer respeitar as medidas de isolamento, que dirá um acatar um lockdown, Nicolelis avaliou que nunca houve uma comunicação eficiente para mobilizar as pessoas. Para ele, o país está sem uma liderança.
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O médico criticou ainda a antecipação dos debates sobre a sucessão presidencial de 2022 em meio a uma pandemia.
“A população nunca teve uma mensagem correta da gravidade da pandemia porque não temos nenhum estadista no país. As pessoas estão falando de sucessão presidencial em 2022 quando o país está morrendo na pandemia. Faltou decisão política e visão estratégica. Faltou às pessoas eleitas pensarem não nos lobbys econômicos e políticos que as sustentam, mas nos cidadãos como prioridade. É preciso bancar uma decisão.”
Ele citou uma análise de John Barry, historiador estadunidense de pandemias. Ele escreveu que, mesmo com a ciência moderna, o que decide o destino de uma sociedade na pandemia é a decisão política, a opção política dos líderes de defender a população.
“Por isso que você é eleito, para liderar mesmo nos momentos em que a coisa correta a ser feita é impopular. É preciso convencer a população de que aquilo precisa ser feito.”
Mutação do vírus é uma bomba relógio
Questionado sobre a possibilidade de não haver um lockdown nacional e no que diz respeito à dinâmica do coronavírus. o neurocientista respondeu que o vírus está mutando fora de controle. Informou que as novas variantes são mais letais e mais contagiosas.
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Nicolelis explicou que cada variante do coronavírus tem dinâmica própria. Cresce, chega ao pico e cai. Mas a situação é mais complexa quando há dezenas de variantes superpostas umas nas outras.
“Acabaram de detectar a variante da Califórnia em Minas Gerais, porque alguém veio de avião dos Estados Unidos e trouxe ela. Nós recomendamos fechar os aeroportos em agosto. Repetimos em setembro. E evidentemente a Infraero não deu bola. Temos no Brasil a reunião de todas as variantes, inclusive as nossas próprias. Essa é a bomba relógio.”
Risco de reinfecção da Covid-19
Nicolelis informou que uma pessoa contaminada pela com a variante inicial brasileira, desenvolveu anticorpos nove vezes menos eficientes para combater a nova variante amazônica.
“Por que temos que tomar a vacina contra a Influenza a cada ano? Porque as variantes surgem. Mas o que estamos tendo de número de infectados do coronavírus é muito grave, então a chance do vírus mutar é muito maior.”
Colapso funerário
O neurocientista prevê a possibilidade de colapso funerário. Citou que Porto Alegre (RS) já vivencia este drama. Na capital gaúcha, um hospital teve de comprar contêineres para estocar os corpos porque não estava dando conta de manejá-los. Similar à tragédia que ocorreu em Manaus (AM).
“A população da cidade de São Paulo é nove vezes maior que a de Manaus. A Grande São Paulo é 20 vezes maior. Se a cidade de São Paulo cai, todo o estado de São Paulo cai. É como uma guerra mesmo: quando um batalhão importante cai, todas as forças armadas são comprometidas. É um efeito cascata. Minha metáfora é que somos Stalingrado, estamos cercados neste momento.”
Com informações do El País