O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse nesta quinta-feira (27) na abertura de seu depoimento à CPI da Pandemia do Senado que o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a iniciar a vacinação contra a covid. Isso não ocorreu, segundo ele, em virtude de “percalços” no fechamento do contrato entre o instituto e o governo federal.
Covas também apontou a demora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na aprovação do uso emergencial de vacinas.
A CoronaVac, vacina produzida pelo instituto em parceria com o laboratório chinês SinoVac, foi motivo de intensa disputa política entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Bolsonaro desdenhou a CoronaVac ao longo de 2020 e chegou a dizer que não autorizaria a compra do imunizante.
O contrato acabou sendo firmado em janeiro de 2021, seis meses depois que o Butantan fez a primeira oferta. Hoje, a CoronaVac é a vacina contra a covid que mais foi aplicada no Brasil.
“O mundo começou a vacinar no dia 8 de dezembro. No final de dezembro, o mundo tinha aplicado mais de 4 milhões de doses, e tínhamos no Butantan 5,5 milhões, e mais 4 milhões em processamento. Sem contrato com o ministério. Nos podíamos ter começando antes? O Brasil poderia ter sido o primeiro pais do mundo a iniciar a vacinação, se não fossem esses percalços, tanto contratuais como de regulamentação”.
Dimas Covas
Covas disse que o Butantan poderia ter entregue 100 milhões de doses para o governo federal até este mês de maio. Pela demora na assinatura do contrato, o prazo teve que ir para setembro, informou.
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Dificuldades impostas pelas ‘redes sociais’
Dimas Covas falou ainda que ataques contra a CoronaVac nas redes sociais dificultaram a obtenção de voluntários para testes nos estágios iniciais do desenvolvimento do imunizante.
“Em outubro, tivemos dificuldade com o estudo clinico, a velocidade de entrada e voluntários, porque nesse momento havia um ambiente conturbado, um combate mto exacerbado a essa vacina nas redes sociais. Inclusive há um estudo que mostra o efeito dessa discussão midiática em cima do desenvolvimento da vacina”.
Dimas Covas
Dimas Covas se diz ‘decepcionado‘ à CPI
Questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), Covas, disse que se sentiu “decepcionado” com o tratamento dado pelo governo federal à instituição. Para ele, “questionar o Butantan significa questionar a saúde pública brasileira, a qualidade da saúde pública brasileira”.
“Eu me sinto decepcionado, pelo histórico do Butantan. Quer dizer, o Butantan faz vacinas e produtos da mais alta qualidade ele é reconhecido internacionalmente. Questionar o Butantan significa questionar a saúde pública brasileira, a qualidade da saúde pública brasileira e o Butantan é um exemplo disso.”
Dimas Covas
Dimas Covas também afirmou que acredita que a imagem do instituto mudou quando as primeiras doses da CoronaVac começaram a ser aplicadas no país.
“Obviamente quando começou a vacinação foi a primeira vacina a ser usada e é a que sustentou o PNI até muito recentemente, essa imagem mudou muito. Nós demos a resposta que era esperada pelo Butantan, nós não saímos do nosso trilho. Se houve dificuldades foi por parte do ministério nesse momento crítico aí a partir de outubro do ano passado”, disse.
Socialista comenta depoimento à CPI
O líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), comentou a declaração de Dimas Covas à CPI da Pandemia, em que ele afirma que o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a iniciar vacinação. “Mais uma vez, o descaso do governo Bolsonaro com as vacinas fica evidente. É gravíssimo”, escreveu.
CPI aprovou requerimentos de informação
A CPI da Pandemia aprovou na quarta-feira (26) uma série de requerimentos de informação. Entre eles, um de Alessandro Vieira (Cidadania-SE) que pode elucidar a estratégia adotada pelo governo federal no enfrentamento da crise no sistema de saúde de Manaus, no início do ano, devido ao recrudescimento da pandemia, à falta de oxigênio e ao colapso do sistema.
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O requerimento pede que que a Presidência da República envie as seguintes informações à CPI: descrição e ata da visita técnica ao Ministério da Saúde em 5 de Janeiro; ata da reunião com ministros em 6 de Janeiro; ata da reunião com o então ministro-chefe da Casa Civil Braga Netto e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em 8 de Janeiro; ata da reunião com o deputado Osmar Terra (MDB-RS) em 13 de Janeiro; e a ata da reunião com ministros em 15 de Janeiro. Na justificativa, Alessandro lembra que, em depoimento à CPI, no dia 20, Pazuello citou as reuniões com Bolsonaro como relevantes para a definição da estratégia adotada durante a crise em Manaus.
A pedido do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a CPI também requer das emissoras Globo, CNN, Record, Band, SBT, TV Cultura e TV Brasil informações e imagens sobre aglomerações com a participação de Bolsonaro.
Produção de cloroquina pelo Exército
A pedido do relator, a CPI solicita ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, todas as informações relacionadas à fabricação e distribuição de medicamentos pelo Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEX) para uso no Sistema Único de Saúde (SUS).
No requerimento, Renan cita a relação entre o LQFEX e o ministério da Saúde na produção de medicamentos, especialmente daqueles que compõem o “kit covid” voltado ao “tratamento precoce”.
A CPI quer saber as quantidades de medicamentos, como cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, fabricados pelo LQFEX desde o início da pandemia. O pedido trata ainda do acesso da CPI ao Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do ministério para consulta a documentos relacionados ao LQFEX e para acesso às atas das reuniões da Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis desde o início da pandemia.
A pedido de Humberto Costa (PT-PE), a CPI também terá acesso a dados do SEI do Ministério da Defesa sobre a produção de cloroquina e hidroxicloroquina em 2020. No requerimento aprovado, Humberto lembra que o ministério já enviou ao colegiado documentos sobre o aumento da produção de cloroquina pelo LQFEX para tratamento da covid-19.
Segundo o senador, apesar de a pasta ter argumentado que o aumento na produção atendeu pedido do Ministério da Saúde, “não se localizou elemento indicativo de provocação ao Ministério da Defesa nesse sentido”. Humberto acrescenta que que levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) não indica de que órgão partiu a demanda e em depoimentos à CPI, os ex-ministros da Saúde Luiz Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello negaram ter solicitado a produção de cloroquina.
“Levando em conta que a medida envolveu emprego de vultosos recursos públicos, e reforçando a adversidade científica quanto ao uso da cloroquina contra a covid-19, é preciso recolhermos informações sobre esta demanda, como ofícios, visando a verdade real”, argumenta Humberto. Ainda a pedido do senador, a CPI terá acesso aos dados dos SEIs do Ministério da Saúde que tratam da compra e distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus.
TrateCov
Outro requerimento aprovado, também de Renan, a CPI pede que o TCU investigue o aplicativo TrateCov, desenvolvido pelo Ministério da Saúde. A CPI quer saber se na versão original da ferramenta havia orientações sobre “tratamento precoce”.
O tribunal também deverá apurar responsabilidades sobre uma possível violação do código-fonte da plataforma. Em depoimento à comissão na terça-feira (25), a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, disse que um jornalista teria feito a “extração indevida” de dados de um protótipo do aplicativo, inviabilizando a ferramenta.
Operação Tendas de Ouro
A pedido do vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a comissão também terá acesso, via Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF), a todos os documentos relacionados à Operação Tendas de Ouro, deflagrada em 11 de maio. Segundo a PF, já foi possível identificar desvios de no mínimo R$ 563 mil por fraudes em licitações na contratação de dois hospitais de campanha no Amapá.
Com informações do G1