
Vinte e dois estados e o Distrito Federal estão com seus estoques de medicamentos para a intubação de pacientes graves da Covid-19 no vermelho. Os dados são de um levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) até o dia 9 de agosto, em 1.500 hospitais referências para o tratamento da Covid-19 da rede estadual pública e privada.
A classificação é dada para estados que têm estoques de duração para até cinco dias ou menos. Outros três estados, Paraná, São Paulo e Espírito Santo, estão no estágio amarelo, que define a previsão de cobertura para até 15 dias. Minas Gerais é o único estado em que não haveria emergências na rede do governo, embora tenha relatos de carências em municípios. O quadro tem levado hospitais a recusar pacientes e tem feito médicos usarem morfina em substituição aos medicamentos apropriados.
A lista de remédios em falta inclui 22 sedativos, anestésicos, analgésicos e bloqueadores neuromusculares, o chamado “kit intubação”. Esses insumos são usados em pacientes que precisam de máquinas para respirar com o objetivo de não acordarem ou sentirem dor quando entubados.
A responsabilidade pela aquisição e distribuição destes medicamentos é dos estados e municípios, que alegam dificuldades em comprar dos fabricantes e sobrepreço. Após a pandemia, a tarefa também passou a ser do Ministério da Saúde, que atua em auxílio às unidades da federação.
Excesso de cloroquina
Por outro lado, as indústrias alegam ter uma demanda superior à produção por conta da pandemia do coronavírus, apesar de relatarem ter quadruplicado a produção desses produtos. Já a cloroquina – medicamento sem eficácia comprovada pela ciência para o tratamento da Covid-19, mas frequentemente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) – tem sido acumulada em estoques da União, estados e municípios que recebem o produto.
A pasta tem hoje 4 milhões de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina estocados e já distribuiu outros 5 milhões para todo o país. Em março de 2020, o órgão adquiriu 3 milhões de comprimidos de cloroquina 150 mg, produzidos pelo Laboratório Químico Farmacêutico do Exército.
O Ministério da Defesa informou que a produção dos 3 milhões de comprimidos de cloroquina custou R$ 1,1 milhão desde o início da pandemia até o momento. O Exército afirmou que não foram necessários investimentos a mais ou adequações no laboratório da Força, que produz cloroquina desde 2000 para o combate à malária.
Medicamentos zerados para Covid
Enquanto isso, um dos insumos zerados em 12 estados é o relaxante neuromuscular atracúrio, indicado para facilitar a intubação endotraqueal e propiciar a cirurgia, segundo levantamento do Conass.
A situação é mais crítica em estados como Ceará, Rio de Janeiro e Santa Catarina, que consumiam, respectivamente, 92.614, 89.414 e 73.556 unidades ao mês. Todos os 26 estados mais o Distrito Federal sofriam com a falta de medicamentos na primeira semana de agosto, segundo o Conass. Não há estado que não esteja com algum problema de estoque.
Os estados com mais remédios em falta nesse início do mês eram Roraima, Rio Grande do Norte e Amapá, mostra o levantamento. Os dois primeiros estados estavam sem 9 dos 22 medicamentos acompanhados pelo conselho. O terceiro, sem oito. Os três estados também estão com estoque baixo para os demais 13 medicamentos.
Em Roraima, por exemplo, oito remédios tinham estoque suficiente para apenas mais três dias de uso. No Rio Grande do Norte, oito medicamentos estavam com quantidade prevista para durar mais cinco dias.
Covid e o desabastecimento
Segundo o conselho, o desabastecimento começou em abril, quando houve o primeiro pedido de ajuda do Amapá. Desde então, o quadro de espalhou. Para o presidente do Conass, Carlos Lula, a questão “ainda está longe de ser resolvida”.
O Ministério da Saúde fez uma aquisição de emergência, na semana passada, mas o cenário ainda é de desabastecimento. Estamos numa situação crítica. As compras não têm dado certo e as fábricas apontam ausência de matéria-prima”.
Responsabilidade da União
De acordo com a presidente da comissão da Saúde do Conselho Nacional do Ministério Público, Sandra Krieger, a autonomia de estados e municípios “não pode ser desculpa ou amuleto para que a União deixe de agir ou se desonere de seu papel”.
Ela explica que há diversos elementos que definem a responsabilidade da União na aquisição de medicamentos em situações extremas, como a de uma pandemia. Entre elas, o artigo 23 da Constituição Federal, que diz ser competência comum da União, estados, Distrito Federal e municípios cuidar da saúde e assistência pública.
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Também cita a Lei nº 8080/90, que dispõe sobre as condições para a proteção da saúde. O texto diz que cabe ao Estado prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional.
“Me parece que está faltando uma ação coordenada entre o ministério, estados e municípios. Não é crível que o Brasil, regido desde 1990 pela Lei Orgânica da Saúde [que regula as ações e serviços de saúde], não tenha como tornar efetivo o relacionamento tripartite [espaços em que ocorrem o planejamento, a negociação e a implementação das políticas de saúde pública]”, disse a conselheira.
Saúde contesta
Em nota, o ministério respondeu que “está em andamento o processo para aquisição de kits para intubação” e que foram feitas “mais de 15 requisições administrativas” destes medicamentos às indústrias – instrumento de intervenção estatal mediante o qual, em situação de perigo público iminente, o estado utiliza bens ou serviços particulares com indenização.
“Foram entregues 862,5 mil unidades para o atendimento emergencial das demandas da rede pública de estados e municípios. O produto foi adquirido, após diálogo com a indústria farmacêutica e sem comprometer as aquisições pela rede privada.
Desta forma, o Ministério da Saúde pôde auxiliar estados e municípios no reabastecimento dos estoques”, afirmou a pasta. Também afirmou que, “devido ao desabastecimento de medicamentos utilizados na intubação de pacientes que tiveram complicações pela infecção do coronavírus, o Ministério da Saúde está apoiando estados e municípios, em ação conjunta e coordenada com o Conass e Conasems”.
Com informações do UOL