O diário francês Libération noticiou nesta sexta-feira (21), em sua edição imprensa, o desmonte das atividades da Cinemateca Brasileira e o risco imposto a um dos maiores acervos de imagens animadas da América Latina, depois da instituição ser obrigada a demitir seus funcionários. “Com Jair Bolsonaro no poder desde janeiro de 2019, a cultura no Brasil se tornou um campo de batalha. Até mesmo um campo de ruínas”, diz o jornal.
“Não há mais ministério (suprimido em uma simples secretaria de Cultura, na qual cinco secretários já passaram em menos de dois anos), corte impiedoso de orçamentos, retorno informal da ditadura… E agora, a Cinemateca em agonia. Sob autoridade federal, mas instalada em São Paulo desde sua fundação, na década de 1940, a Cinemateca Brasileira, tratada pelo governo ‘a pão seco’, foi recentemente obrigada a paralisar suas atividades. Seus 52 funcionários foram despedidos. Seus arquivos, um dos principais acervos de imagens animadas da América Latina (muitos dos quais ainda consistem em bobinas de nitrato, substância sujeita à autocombustão), estão em perigo”, diz a matéria, logo na introdução.
Citando o “genocídio cultural”, o francês também faz a denúncia pela fala da diretora Paloma Rocha, que se recusou a retirar das instalações obras de seu ilustre pai, Glauber Rocha, dirigente do Cinema Novo. “Meu pai está lá há mais tempo do que este governo de idiotas”.
O Libération diz que este ano, apesar de uma dotação orçamentária de cerca de 2 milhões de euros para a Cinemateca, nem um centavo foi liberado, sob o pretexto de que o contrato com a Acerp, a associação que o administrava desde 2018, havia expirado. “Como o governo não queria renová-lo, o secretário do audiovisual, Hélio Ferraz, veio tomar posse das instalações no dia 7 de agosto, escoltado por policiais armados”.
‘Setor cultural como inimigo’
A provocação, de acordo com o jornal, acirrou ainda mais os ânimos. “A Acerp não era hostil ao governo, mas não está totalmente sob seu controle”, disse Maria do Rosário Caetano, jornalista especializada em cinema, que credita ao chefe de Estado um ‘projeto autoritário’. “Mas querem um parceiro de total confiança, com o objetivo de fazer da Cinemateca uma vitrine de suas ideias sobre cultura, como no ano passado, com essa tentativa fracassada de programar uma Mostra de Filmes Militares. A administração sabia que éramos todos contra”, lembra.
“A comunidade do cinema e os amigos da Cinemateca prendem a respiração, à espera do anúncio de um novo parceiro para a gerir”. Segundo o cineasta Roberto Gervitz, chefão do movimento SOS Cinemateca, o secretário do Audiovisual promete que a autonomia da Cinemateca será respeitada, negando no processo a intenção de transferi-la para Brasília. Mas o ativista continua cauteloso. “No Brasil, nada pode ser dado como certo, muito menos com Bolsonaro, que vê o setor cultural como um inimigo, sua oposição.”
Futuro da Cinemateca
O jornal aponta que, apesar do cenário, foram finalmente anunciadas medidas de emergência, como a criação de uma brigada de incêndio, para proteger os arquivos e garantir os serviços básicos. “Cinemateca, Jair Bolsonaro nem sabe o que é exatamente”, continua Roberto Gervitz. Mas o governo foi forçado a agir. A mobilização valeu a pena”.
O francês aponta que o manifesto criado pelos funcionários foi assinado por representantes do Festival Internacional de Cinema de Berlim, o Berlinale, pela Federação Internacional de Arquivos do Cinema e pela Cinemateca Francesa.
Cinemateca e a ‘crise como projeto’
A matéria cita, ainda, uma ação do Ministério Público que acusa Brasília de “abandonar” ou mesmo “sufocar financeiramente” a instituição guardiã do patrimônio audiovisual do país, algo decisivo para o futuro da instituição.
“A crise da Cinemateca, que atingiu seu apogeu com o ex-ministro da Cultura de Lula, o cantor Gilberto Gil, certamente é anterior à chegada da extrema direita ao poder. Mas com Jair Bolsonaro, ‘chegamos ao fundo do poço’, resume a jornalista Maria do Rosário Caetano. Seus predecessores foram acusados de não fazer o suficiente pela cultura. Ele, de querer destruí-la”.
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