
Na última semana, diversos fatos geraram debates confrontadores na imprensa e nas redes sociais sobre a desigualdade racial e o racismo no Brasil. Casos como o da juíza acusada de racismo ter sido absolvida, o da jornalista Glória Maria ter dito que “tudo é racismo” e o das lojas de eletrodomésticos Magazine Luiza e da farmacêutica Bayern terem sido acusadas desde racistas a propagadoras da diversidade, por promover um processo seletivo de trainee exclusivo para candidatos negros, são apenas alguns exemplos de como o debate sobre raça tem pautado a agenda pública neste ano.
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O iG ouviu especialistas dedicados ao tema para compreender o que está por trás dos debates mais recentes sobre raça e racismo no Brasil, bem como a profundidade do tema.
Situação política
O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pós-doc pelo The Hutchins Center for African American Research de Harvard, Matheus Gato, avalia que a conjuntura política do governo conservador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) estimula a reação do movimento negro.
“O campo progressista que politiza o racismo tem mais voz pública do que antes”, argumenta. “Estamos em um período em que ao mesmo tempo em que a sociedade tem noção do racismo estrutural – fenômeno de desnaturalização do racismo – a gente tem setores da sociedade investindo nas formas mais abertas de racismo e discriminação. Cai a ideia de que o racismo é velado”, diz.
Nesse sentido, a historiadora e professora do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), Juliana Serzedello, relembra o caso recente promovido pelo governo federal, por meio da Fundação Palmares , chefiada por Sérgio Camargo, de retirar o nome da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) da lista de personalidades negras da fundação.
Ataques coordenados estão acontecendo desde domingo, com acusações infundadas e conteúdo racista. Mas eles não vão me calar e eu não vou recuar. Sou uma mulher forte e a luta nunca para. ✊? pic.twitter.com/swQbuFX6LZ
— Benedita da Silva (@dasilvabenedita) October 1, 2020
“Em um governo de extrema direita , como o que a gente está vivendo agora, o debate público tende a inflamar temas que são espinhosos para este governo. Em um governo que acolhe as pautas raciais e promove políticas públicas de igualdade racial, o tema tende a ficar mais bem acomodado nas relações sociais”, diz Serzedello. “Este governo não só não pretende acomodar a pauta racial, como ele pretende tensionar este campo. Ele pretende criar situações de tensão racial”, complementa.
Debate público sobre racismo
A proposta de um programa de trainee organizado pela empresa Magazine Luiza, como forma de reconhecer a ausência de lideranças negras na empresa e a necessidade de diversificar os quadros, fez com que uma das maiores lojas de eletrodosméticos do país se tornasse o assunto mais comentado do Twitter Brasil, com a hastag “Magazine Luiza racista “.
Políticos de direita impulsionaram o debate contra a iniciativa, enquanto intelectuais negros, lideranças do movimento negro e políticos ligados ao campo da esquerda comentaram a importância da iniciativa. A Juliana Serzedello destaca que a existência de um debate mais intenso sobre o racismo não o torna maduro e qualificado.
“Eu não sei se o debate amadureceu ou se ele só se tornou acessível a mais pessoas, porque o debate sobre as questões raciais no Brasil é maduro há muito tempo. Desde a discussão sobre como seria feita a abolição nós podemos dizer que há um movimento negro debatendo o assunto. O movimento negro é muito consistente há muito tempo, mas o que aconteceu é que mais pessoas ficaram sabendo que ele existe”, diz a historiadora.
Acesso a informação
O fato do problema das questões raciais estar chegando para mais pessoas não quer dizer que está chegando com qualidade de informação, afirma Gato. “Principalmente se a gente pensar que as pessoas estão se informando em grupos que estão produzindo contra-informações. É complicado dizer que se o fato das pessoas estarem acessando mais informação faz com que elas saibam melhor das coisas”, complementa.
Para Gato, a presença de negros no debate sobre raça revela uma nova e importante perspectiva sobre o tema, que mesmo atingindo diretamente a população negra, por diversas vezes é debatido por intelectuais brancos, como no caso da discussão sobre a aprovação da lei de cotas, relembra.
“A questão não é se o debate sobre racismo amadureceu, porque essas coisas não são feitas necessariamente com consciência. Esse é um campo de luta, mas hoje você tem pessoas ligadas ao tema posicionadas em lugares para pressionar isso”, diz.
Com informações do iG e Notícia em Foco