Após ser flagrado, em vídeo, proferindo falas racistas, homofóbicas e de referência ao nazismo na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo (SP), homem é preso nesta terça-feira (2). O indivíduo, que não teve a identidade revelada, além de atacar negros e homossexuais dentro da biblioteca, lia o livro “Minha Luta” (Mein Kampf), do líder nazista Adolf Hitler.
“Não gosto de negro. A cultura deles é uma bosta. Se prestassem, não eram discriminados pela sociedade”, afirmou. “Não gosto de negro, quem gosta de macaco é zoológico”, disse.
O recente caso em São Paulo expõe um alarmante crescimento de nazistas e neonazistas no Brasil. Também nesta semana, a vereadora de Belo Horizonte e pré-candidata a deputada federal pelo PDT, Duda Salabert, denunciou ter sido alvo de ameaças pelas redes. Em uma publicação na sua conta no Instagram, ela compartilhou trechos de um e-mail que recebeu, com intimidações direcionadas também a sua família.
A ameaça é assinada com uma saudação nazista.
Em levantamento divulgado pelo Fantástico em janeiro deste ano, a antropóloga e pesquisadora de manifestações nazistas Adriana Dias mostrou que existem pelo menos 530 núcleos extremistas de teor neonazista no Brasil, um universo que pode chegar a 10 mil pessoas.
O número representa um crescimento de 270,6% de janeiro de 2019 a maio de 2021. Dias apontou ainda que os núcleos nazistas se concentravam na região Sul do Brasil, mas se espalharam para as cinco regiões do país.
Governo Bolsonaro e o crescimento do nazismo
Os crimes de apologia ao nazismo no Brasil aumentaram muito nos últimos dez anos. No entanto, as ocorrências explodiram depois de 2018, ano em que Jair Bolsonaro (PL) foi eleito presidente da República.
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Um levantamento do jornal O Globo publicado em maio do ano passado mostrou que as denúncias apuradas pela Polícia Federal (PF) para crimes de apologia ao nazismo também explodiram. Até pouco tempo atrás, eram raros os inquéritos, entre 4 e 20 a cada ano.
A virada se deu em 2019, quando foram abertas 69 investigações de apologia do nazismo. A situação piorou em 2020, quando os policiais federais investigaram 110 casos — um novo inquérito a cada três dias, em média.
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Levando em conta as 36 ocorrências investigadas pela PF nos cinco primeiros meses de 2021, é possível esperar que o ano passado tenha mantido a tendência de alta dos dois anteriores.
Brasil é sétimo lugar em ranking sobre nazismo na internet
A SaferNet Brasil, organização não-governamental que atua mapeando denúncias anônimas de crimes e violações contra os direitos humanos na internet, localizou 2.516 páginas (hospedadas em 666 domínios) no Brasil em 2020.
O país está na sétima colocação global do ranking publicado pela ONG.
A onda ultraconservadora e racista no Brasil
Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, uma das lideranças do movimento negro do país, Douglas Belchior pondera que os genocídios negro e indígena são marcas históricas do Brasil, mas aponta que há uma “novidade” na capacidade de organização de grupos favoráveis ao extermínio
“Há uma onda. É uma novidade nesse sentido: o avanço da organização de um sentimento ultraconservador, um sentimento racista, homofóbico. Isso condiz com o Brasil que a gente vive agora, com o governo Bolsonaro e com o sentimento que está politicamente organizado nesses grupos que ocupam o poder hoje”, diz.
Os especialistas ouvidos no início do ano pelo jornal Brasil de Fato ponderam ainda que o neonazismo brasileiro não é “um fenômeno monolítico” e se expressa em fóruns onlines de grupos ultramisóginos, na literatura negacionista do Holocausto e na atuação de grupos como os skinheads ou White Power, por exemplo.
A antropóloga Adriana Dias ressalta também a diferença fundamental entre neonazismo e o próprio nazismo, que “foi uma política de Estado, um regime que se incorporou ao Estado”.
“O neonazismo é diferente. Surge no final da Segunda Guerra Mundial, mas, como não é um movimento estatal, está pluralizado, então se internaliza. [Os neonazistas] se reúnem de maneira oculta, não oficial, proibida. Ficam numa camada não superficial do discurso social, mas existem em todo o mundo”, afirma.
Enfrentamento deve ser constante
Como estratégia de enfrentamento, especialistas relembram o caso da Alemanha, onde o nazismo e o Holocausto são relembrados nas escolas e em monumentos a fim de não jogar no esquecimento uma parte da história e não abrir espaço para repeti-la.
“Por lá, além de um intenso processo de desnazificação, valoriza-se a memória como meio de reflexão e aprendizado em relação ao passado”, aponta Adriana Dias.
A antropóloga reforça ainda a importância do diálogo como forma de prevenir extremismos: “Acho que quanto mais nos comunicarmos, quanto mais a educação evoluir e desenvolvermos empatia, mais vamos saber responder a genocidas. Gostaria que fôssemos [um país] cada vez mais diverso, porque com certeza muito menos perto de genocidas nós estaríamos”.
Com informações do DW e Brasil de Fato