Há uma certa insatisfação de setores da esquerda com os discursos do ex-presidente Lula, principalmente com aquele feito no lançamento da chapa Lula-Alckmin. Foi um discurso lido, prática rara no caso de Lula, moderado e monocórdico.
E não poderia ser diferente depois dos exageros e descuidos cometidos por ele em relação ao aborto, aos militares e ao gosto de Bolsonaro por policiais, que repercutiram tão mal junto aos religiosos e às pessoas de esquerda que tratam da segurança pública.
E mesmo os críticos da aliança com Alckmin reconheceram acerto e avanço no seu discurso “de posse” na candidatura a vice-presidência. Acho que o tom os dois discursos estavam corretos.
O de Lula baixando a bola numa ocasião solene e o de Alckmin levantando sua própria bola, já que ele está vivendo um momento de transição positivo do centro-direita mais para a esquerda desde que entrou para o PSB. Sem deixar, naturalmente, de ser centro.
O desafio de Lula é formular um discurso que não abandone a indignação e o caráter oposicionista a Bolsonaro, mas permita que o centro, áreas da direita democrática e até setores democráticos e nacionalistas da Forças Armadas, se aproximem de sua candidatura.
Um verdadeiro fio de navalha. E embora Alckmin seja importante para o cumprimento dos objetivos de manter acesa a indignação e ampliar o espectro da candidatura, ele não pode assumir sozinho essa tarefa política.
Outro lado desse desafio de Lula é lembrar-se que é candidato a presidente em 2022. Conquanto seja justo que se refira aos avanços efetivamente conquistados nos seus governos passados, não pode continuar prometendo uma volta ao passado.
Mesmo porque esse “passado” inclui muitos erros e faltas. Entre as faltas as reformas tributária, política, urbana e da comunicação. Recordar-se que ainda que a desigualdade tivesse sido reduzida , o Brasil permaneceu com uma brutal concentração de riqueza e renda em poucas mãos, principalmente dos banqueiros e latifundiários.
A questão democrática, (dicotomia entre civilização e barbárie) é o elemento central da candidatura de Lula-Alckmin à presidência e vice. Mas também essa questão não pode desconhecer o presente e o futuro cujas realidades incluem, pela primeira vez, a força do fascismo e da ultra direita como fenômeno de massas no Brasil.
Uma ultra direita tecnológica que utiliza os mais modernos meios de comunicação com uma linguagem extremamente popular revolucionária de direita. Linguagem que era um diferencial competitivo de Lula e hoje está dividida com Bolsonaro.
É possível, e desejável, que a elaboração do Programa de Governo, liderada por Aloizio Mercadante, possa ajudar Lula e Alckmin na difícil tarefa que eles tem pela frente.
Se esse programa incorporar a ideias inovadoras do próprio PT, do novo Programa do PSB, do PCdoB, do Solidariedade e do PV, de cientistas e intelectuais independentes, dos segmentos populares, juvenis, sindicais, de mulheres e negros dos partidos que compõem a frente e, até mesmo, dos que não a compõem como é o caso do PDT de Ciro Gomes, creio que Lula e Alckmin poderão desempenhar com mais segurança os seus papeis.
Principalmente, transformando essas ideias de futuro em bandeiras populares a serem brandidas pelas militâncias partidárias e pelos movimentos populares e culturais.