A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou nesta última sexta-feira (9) que o desastre ambiental provocado pelas queimadas no Pantanal seria menor se houvesse mais atividade pecuária no bioma. A fala, durante audiência da comissão especial do Senado que acompanha as ações de enfrentamento às queimadas na região, no entanto, contraria o que ela mesmo já havia admitido, no mês passando, quando assumiu que não há qualquer evidência científica de que o gado reforça a preservação ao meio ambiente.
Em setembro, o Brasil registrou um aumento de 180% no número de queimadas na região do Pantanal, em comparação com o mesmo período do ano passado. É o mês com o maior número de ocorrências da história: 8.106. A área atingida no ano chega a quase 40 mil km2, o que corresponde a 26,5% de todo o bioma.
“Aconteceu um desastre porque nós tínhamos muita matéria orgânica seca, e, talvez, se nós tivéssemos um pouco mais de gado no Pantanal, teria sido um desastre até menor do que o que nós tivemos neste ano. Mas isso tem de servir como reflexão sobre o que é que nós temos de fazer” afirmou a ministra na Comissão.
A polêmica tese do “boi bombeiro” já foi defendida pelo ministro do Meio ambiente, Ricardo Salles, e é bastante criticada por ambientalistas. Por esta “teoria”, o boi criado solto comeria o capim e assim contribuiria para diminuir a quantidade de material que ajuda a propagar o fogo. Setores ligados à pecuária usam esse argumento para criticar a diminuição do rebanho no bioma do Pantanal nos últimos anos.
No mês passado, em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra havia dito que a agropecuária e o produtor rural são os mais importantes aliados na preservação do meio ambiente e que “vilanizar a agricultura brasileira não ajuda em nada”.
Em sua fala no Senado, Tereza Cristina também afirmou que o pantaneiro é o grande responsável pela preservação do bioma nos últimos anos. No entanto ressalta que a população nativa da região se empobreceu e que uma forma de economia sustentável na região é necessária para manter o ambiente. A ministra ainda pediu que se melhore a infraestrutura da região, para evitar futuros desastres. Ela afirmou que, muitas vezes, os equipamentos para combater os incêndios existem, mas que há problemas de logística que impedem que cheguem aos locais onde são necessários.
Tese já foi rejeitada por especialistas
Ambientalistas criticam a tese do “boi bombeiro”, primeiramente porque afirmam que não houve redução da atividade pecuarista na região do Pantanal.
“Se nós pegarmos os indicadores do aumento de gado na região do Centro- Oeste, no Pantanal, e na região da Amazônia nos últimos dez anos, nós vamos verificar que, se houvesse uma relação direta entre o gado e os incêndios, nós teríamos muito menos incêndio simplesmente porque tem muito mais gado no Pantanal”, afirma Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
Além de questionar a redução na atividade pecuária, especialistas afirmam que o principal fator para regular as queimadas é o ciclo hidrológico, a alternância dos períodos úmidos e secos. No entanto, como a própria ministra afirmou em sua apresentação, a região vive a seca mais severa dos últimos 40 anos. Por isso, entidades criticam a falta de preparo do governo, tendo em vista a previsão de estiagem que já havia sido feita para 2020 e que deve durar cinco anos.
“Falar em boi bombeiro para justificar tamanha crise é equivocado, além do efetivo bovino ter crescido no bioma, isso desvia o foco dos reais responsáveis pela situação”, afirma Cristiane Mazzetti, gestora ambiental do Greenpeace.
“Diante de um cenário já previsto de seca severa, com focos de calor muito superiores à média desde março de 2019, não foram tomadas medidas efetivas de combate e prevenção aos incêndios, necessárias desde o primeiro semestre. Se não tivesse ocorrido um desmonte da gestão ambiental no Brasil, a situação não teria chegado a este nível de gravidade”, afirma.
Devastação do Pantanal é ‘culpa da mídia’
Outros presentes na audiência também reclamaram da visão “divulgada na mídia” que trataria a agricultura e a pecuária como “vilões dos crimes ambientais”.
“Existe toda uma comoção pública em relação ao Pantanal, a questão dos prejuízos à biodiversidade, a questão dos danos ocorridos na região”, disse Rodrigo Justus, consultor de meio ambiente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). “Quando nós constatamos os dados, nós vemos que os produtores rurais detêm a grande maioria das áreas do Pantanal. Então, diretamente, são os maiores prejudicados”, disse, também acrescentando que sua própria família teve uma fazenda praticamente toda consumida pelo fogo.
A comissão no Senado é considerada menos hostil para o governo Jair Bolsonaro (sem partido), pois conta com parlamentares da região ligados ao setor do agronegócio. Por outro lado, a comissão instalada na Câmara para acompanhar as queimadas é formada por diversos deputados da oposição. A coordenação dos trabalhos, por exemplo, é da deputada Professora Rosa Neide (PT-MT).
Com informações da Folha de S.Paulo