Em apenas dois dias, nazistas estiveram por trás de três notícias que envolvem crimes. Na segunda-feira (1), a vereadora Duda Salabert (PDT-MG), de Belo Horizonte (MG), recebeu ameaças de morte por e-mail feitas por um simpatizante do nazismo. Já na terça-feira (2), um neonazista proferiu ofensas racistas e homofóbicas contra pessoas na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. No mesmo dia, outra ameaça de morte feita por nazista, desta vez contra a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
No caso de Duda Salabert, a vereadora recebeu um e-mail cujo autor dizia que acabaria com a vida da vereadora. A mensagem era assinada por William Mazza dos Santos, que seria membro de um fórum online de neonazistas frequentado pelos autores do massacre em uma escola de Suzano (SP), em 2019. A mensagem ainda continha a inscrição “14/88”.
Trata-se de códigos neonazistas combinados: o “14” faz referência a um slogan supremacista de dos EUA (“nós devemos garantir a existência do nosso povo e um futuro para crianças brancas”, 14 palavras) e o “88 “faz referência ao “Heil Hitler”, já que “H” é a 8ª letra do alfabeto.
“Há uma rede neonazista articulada que se multiplicou no governo de Bolsonaro”, disse Duda em entrevista ao Fórum Onze e Meia, alertando ainda que as eleições deste ano serão “as mais violentas da história”.
Em São Paulo, no dia seguinte, um homem identificado como Wilho Silva Brito foi preso após proferir ofensas raciais e homofóbicas a pessoas que estavam na Biblioteca Mário de Andrade. Ele lia o livro “Minha Luta” (Mein Kampf), de Adolf Hitler, e nas redes sociais ostentava símbolos nazistas.
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Enquanto Wilho era preso, Sâmia Bomfim denunciava que recebeu um e-mail com ameaças de morte e estupro, também feita por um simpatizante do nazismo.
“O bolsonarismo legitimou manifestações violentas, inclusive de cunho nazista no nosso país, e eles sempre escolhem como alvo as mulheres na política, isso é um método permanente. Não nos surpreende, infelizmente, que conforme as eleições se aproximam eles aumentem essas ameaças”, disse a deputada.
Os três casos se somam a inúmeros outros, registrados semanalmente, de ameaças feitas por bolsonaristas contra políticos e pessoas de esquerda, como aconteceu com a ex-deputada Manuela D’Ávila, que na segunda-feira (1) também denunciou novas ameaças de morte e estupro que recebeu.
Cada vez mais, porém, essas ações vêm sendo encampadas por neonazistas declarados, o que liga um alerta sobre a relação desses grupos com o bolsonarismo, principalmente às vésperas das eleições.
Neonazismo cresce durante o governo Bolsonaro
A cientista social e antropóloga Adriana Dias, tida como uma das maiores pesquisadores sobre o neonazismo no Brasil, realizou uma pesquisa recente que revela forte crescimento do fenômeno no país durante o governo Bolsonaro. “Somente em 2021, quase 1 milhão de pessoas leram material neonazista”, declarou, em entrevista à Fórum em janeiro.
Outro número assustador, segundo Adriana, é que hoje há 530 células de 52 grupos neonazistas. Isso representa que há focos “em quase todos os estados do Brasil”. O estudo da pesquisadora revela que, entre janeiro de 2019 e maio de 2021, ou seja, nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, as células de grupos neonazistas cresceram 270,6%. Ela conta, ainda, que hoje esse crescimento é de 150% ao ano. “Perdeu-se o controle da ameaça que isso representa”, afirma.
Não à toa. Adriana Dias foi a responsável por descobrir, por exemplo, que Jair Bolsonaro enviou uma carta a neonazistas em 2004 que foi publicada em sites de diferentes grupos.
“Ao término de mais um ano de trabalho, dirijo-me aos prezados internautas com o propósito de desejar-lhes felicidades por ocasião das datas festivas que se aproximam, votos ostensivos aos familiares. Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato”, dizia a carta do então deputado federal Bolsonaro.
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Bolsonarismo e nazismo: ligação direta
O policial civil e vereador Leonel Radde (PT-RS), de Porto Alegre, desde o início de seu mandato realiza um monitoramento de grupos neonazistas para denunciá-los à Justiça. Por este motivo, o petista é alvo constante de ameaças feitas por simpatizantes do nazismo.
À Fórum, Radde disse que os neonazistas brasileiros são, de fato, bolsonaristas e que eles se sentem representados pelo presidente Jair Bolsonaro para agir de forma criminosa.
“Ao mesmo tempo que aumenta esse processo de polarização eleitoral, eles começam a aumentar o grau de virulência nos ataques. Nos grupos que a gente tem monitorado, eles são apoiadores abertos de Bolsonaro. Há uma relação direta que é ideológica, de discurso, visão de mundo, e nitidamente são grupos radicalizados e dispostos a atuar em favor de Bolsonaro”, analisa.
Para o vereador, os recentes episódios de ameaças feitas por neonazistas e bolsonaristas representam um risco para lideranças de esquerda ou mesmo pessoas contrárias ao atual governo.
Segundo Radde, os dois “riscos reais” são os grupos paramilitares, como os de Colecionadores, Atiradores e Caçadores Esportivos (CACs), e os “lobos solitários”, “que agem na lógica de fóruns da internet” e encampam ações individuais, como a que culminou no assassinato do petista Marcelo Arruda em sua festa de aniversário em Foz do Iguaçu. Arruda foi morto a tiros pelo bolsonarista Jorge Guaranho aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”.
Discurso de Bolsonaro é o mesmo dos neonazistas, diz historiador alemão
Logo em seu quarto mês de mandato, em abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro chamou a atenção do mundo todo ao afirmar, após visitar o Museu do Holacausto em Israel, que o nazismo na Alemanha de Hitler consistia em um movimento de esquerda.
À Fórum, o historiador alemão Thilo F. Papacek, afirmou que esse tipo de discurso de Bolsonaro se assemelha ao dos próprios neonazistas alemães.
“Quase todo dia tem algum político da AfD (partido neonazista alemão) polemizando contra a esquerda, e eles frequentemente usam essa associação ‘Nazismo é da esquerda’, o que é um absurdo para historiadores, mas muitos alemães da direita gostam disso: assim eles se defendem de serem chamado de nazistas”, diz.
“Esse discurso de Bolsonaro de ‘limpar o país’ e ‘fazer exorcismo’ contra a esquerda existia no governo da Alemanha também, entre os anos de 1933 a 1945 [período do goveno nazista de Hitler]. Nesse sentido, Bolsonaro é muito mais semelhante aos nazis”, complementa Papacek.
Por Ivan Longo