No artigo Olhares Negros, publicado originalmente no Congresso em Foco, a historiadora e pesquisadora de relações raciais e de gênero, Wania SantAnna, afirma que se existe, nessas últimas seis décadas, um segmento da sociedade brasileira organizado com comprovado histórico de produção de conhecimento e incidência política, esse é o movimento negro, que despontou nesse período com vigor irrefutável.
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A historiadora aponta algumas evidências desse ativismo e da nova compreensão sobre a realidade brasileira estão por toda parte, como no potente movimento de mulheres negras, com expressiva e ativa participação da juventude negra; na organização das comunidades quilombolas, que sequer eram reconhecidas até a Constituição de 1988; na presença de negros nas universidades por todo o país, alterando, definitivamente, o perfil de alunos dessas instituições; nas manifestações e denúncias contra os ataques às religiões de matriz africana, uma violação que fere de morte princípios constitucionais; na atuação contra a violência policial e a seletividade do sistema de justiça que, no mais perverso formato de controle e punição, insiste em negar cidadania e respeito à população negra, jovem e periférica.
Wania ainda aponta que os focos de resistência e contestação estão expressos em argumentos amplos e propostas de solução efetivas que valorizam a organização da população negra por seus direitos sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais.
O sentido final desses processos de mobilização e organização sempre primaram por qualificar a democracia no país, garantindo que os direitos que materializam os princípios de cidadania de um povo sejam uma realidade para todos e não apenas para uma ínfima parcela da população. E esse perfil de exclusão compromete qualquer projeto de nação.
O Brasil não é uma democracia racial porque a discriminação racial e o racismo são, ao mesmo tempo, uma prática e uma ideologia que assolam, insidiosa e brutalmente, o cotidiano das pessoas negras, suas famílias e suas comunidades. Ter denunciado a democracia racial brasileira como um mito e uma farsa foi, também, uma extraordinária obra política do movimento negro contemporâneo e de seus ativistas.
Na atualidade, devemos reconhecer, esses assuntos avançaram como debate necessário à formação da opinião pública contra o racismo e, até mesmo, à construção de uma opinião pública antirracista. E isso é algo muito positivo. Não há caminho fácil para remover concepções que, por séculos, desumanizam a existência e as experiências de vida das pessoas negras, mas, para o bem de todos, esse é um caminho que precisa ser trilhado com honestidade, escuta, generosidade, solidariedade e respeito. É preciso fazer circular conhecimentos diversos e romper silêncios impostos pela escravidão e pelos açoites.
Para a íntegra do artigo Olhares Negros – Uma experiência possível e necessária veja aqui.