A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve nesta terça-feira (29), por três votos a dois, a decisão do Tribunal do Júri que absolveu um réu confesso por tentativa de feminicídio em Minas Gerais.
O julgamento, com placar acirrado, incluiu um debate entre os ministros sobre machismo e a “soberania dos veredictos” – princípio do direito brasileiro que impede instâncias superiores de revisarem a decisão de um júri popular.
No caso julgado, o acusado chegou a confessar o crime e alegou que tinha sido traído pela companheira. Mesmo assim, o júri decidiu absolvê-lo. O caso foi levado ao Tribunal de Justiça de MG, que reformou a decisão por identificar que os jurados tinham votado contra as provas dos autos.
O TJ de Minas determinou então a realização de um novo júri, como prevê o Código de Processo Penal. Essa determinação foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) mas, com a decisão do STF, o julgamento inicial fica preservado, e o réu confesso, absolvido.
Feminicídio
A cada seis horas, uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil. Em 2019, as delegacias brasileiras registraram 1530 homicídios de mulheres em razão do gênero. Os dados são de um levantamento feito pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e a ONG de direitos humanos Habra.
Esse volume representa um aumento de 20,1% em relação a 2018, quando foram registrados 1.222 casos de feminicídio.
A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, alterou o Código Penal brasileiro, incluindo essa qualificadora quando o homicídio for cometido contra a mulher em decorrência do gênero ou de violência doméstica. É uma resposta penal a um crime que tem tirado a vida de milhares de mulheres.
A antropóloga, pesquisadora da Anis e professora a UnB, Débora Diniz defende que a nomeação do crime de feminicídio é uma forma de classificação no campo jurídico e reconhecimento no campo sociológicos dos estudos de gênero.
Na mesma linha, a coordenadora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília, Valeska Zanello, acredita que o principal motivador desse crime são as hierarquias de gênero, o que aponta para o sexismo e o machismo da cultura brasileira. “O feminicídio é um sintoma do quanto a nossa cultura está adoecida, sobretudo as nossas masculinidades”, afirma.
Como funciona um juri
O Tribunal do Júri decide sobre crimes intencionais contra a vida, como homicídio doloso – quando há a intenção de matar. O júri é composto por sete jurados leigos em direito e presidido por um juiz que não opina sobre a culpa ou a inocência do réu.
Segundo um princípio constitucional, a decisão do júri popular não pode ser revista por instâncias superiores, com reavaliação de fatos e provas. Se houver indícios de erro ou fraude, é preciso anular a condenação e devolver o tema à análise de um novo júri popular.
Como a condenação não pode ser revista, a “soberania dos veredictos” também é usada como argumento para defender que os condenados em júri popular comecem a cumprir pena logo após a decisão. O STF também analisa esse tema, mas o julgamento está suspenso desde abril.
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