Neste domingo (28), o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acentuou crise no Congresso e amarrou corda no próprio pescoço. Em postagem nas redes sociais, o chanceler insinuou que pressão por sua saída não teria ligação com a sua dificuldade em negociar vacinas contra a Covid-19, mas sim com o debate sobre o banimento ou não da empresa chinesa Huawei na implantação da tecnologia 5G no Brasil.
De acordo com o ministro, a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PP-TO), o procurou no início do mês e que “pouco ou nada se falou de vacina”, mas que ela comentou sobre Araújo fazer “um gesto em relação ao 5G”.
“Em 4/3 recebi a Senadora Kátia Abreu para almoçar no MRE. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: “Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado.” Não fiz gesto algum. Desconsiderei a sugestão inclusive porque o tema 5G depende do Ministério das Comunicações e do próprio Presidente da República, a quem compete a decisão última na matéria”, publicou Ernesto Araújo.
Em uma nota divulgada à imprensa, a senadora negou acusação e afirmou que o Brasil não pode mais ter “a face de um marginal”, aumentando pressão pela saída do ministro.
“O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições. Alguém que agride gratuitamente e desnecessariamente a Comissão de Relações Exteriores e o Senado Federal”, escreveu parlamentar.
Nos bastidores, ao se explicar aos demais parlamentares, Kátia Abreu disse ainda que há uma ação orquestrada nas redes bolsonaristas para espalhar que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os senadores foram comprados pela chinesa, afirmou o colunista Lauro Jardim ao jornal O Globo.
Ernesto Araújo ganha repúdio de senadores
Pelas redes sociais, senadores saíram em defesa da colega e atacaram gestão de Araújo reforçando que saída do ministro deve ser imediata diante do acúmulo de crises geradas pelos seus posicionamentos radicais. “É inaceitável que este senhor permaneça uma hora sequer a mais no cargo de representante da nossa diplomacia”, afirmou o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-PE).
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) também reforçou que o posicionamento do ministro “lança sementes de joio nos campos da democracia”. Segundo a parlamentar, não adianta podá-lo, “Ernesto e a democracia não andam juntos”, afirmou.
Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RO), que foi apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durantes as eleições no Congresso, é “um grande desserviço ao País” a desagregação promovida pelo chanceler.
Durante o pior momento da pandemia, a senadora socialista Leila Barros (PSB-DF) também ressaltou que Ernesto deveria estar preocupado em conseguir vacinas contra a Covid-19 ao invés “de likes e compartilhamentos”.
De acordo com o jornalista Guilherme Amado, os senadores Alessandro Vieira e Randolfe Rodrigues irão apresentam nesta segunda-feira (29) ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de impeachment contra Ernesto Araújo por cometimento de crimes de responsabilidade.
Diplomatas pedem saída de Araújo
Além da movimentação no Senado pela saída do ministro, circula nos gabinetes do Palácio do Itamaraty documento com o apoio de mais de 300 diplomatas criticando a atuação de Araújo e pedindo a sua saída. Apesar de contar com o respaldo de um número significativo, a carta é apócrifa “por uma questão de preservação”, já que muitos poderiam sofrer retaliação.
Para os diplomatas, a gestão de Araújo “está longe de corresponder a um programa de governo que pregou uma política externa livre de ideologias” e é marcada por condutas incompatíveis com os princípios da política externa do país. Entre as críticas ao ministro, a carta lembra “agressões injustificadas contra países com os quais o Brasil mantém relações estratégicas, até demonstrações de adesão a práticas inaceitáveis em uma democracia moderna”. A reação do chanceler à invasão do Capitólio aparece como exemplos.
“As dificuldades evidenciadas pela pandemia de Covid-19 apenas descortinam os riscos de uma diplomacia amadora, despreparada e personalista, dirigida por critérios fantasmagóricos, e como esses riscos podem se traduzir em prejuízos concretos, por vezes irreparáveis, à toda a sociedade brasileira”, diz outro trecho.
Ao compartilhar notícia, o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) ressaltou que a má gestão do chanceler causou a perda da confiança de vários países, incluindo os que estão à frente na negociação de insumos e vacinas contra a Covid-19.
Mais um militar no governo?
Com a pressão pela saída de Araújo se tornando cada vez mais intensa, o Planalto começou a debater a ida do almirante da ativa Flávio Rocha para o Itamaraty e a remoção do chanceler para uma embaixada vistosa – algo que dependeria, no entanto, da aprovação do Senado.
O militar é visto como um dos raros pragmáticos e de bom senso no governo, além de interagir com setores sensíveis do empresariado nacional. Desde que Araújo iniciou conflitos com outros países, Rocha já vinha assumindo missões no exterior em nome do presidente Jair Bolsonaro, inclusive na China.
Com informações do jornais O Globo e O Estado de S. Paulo e da revista ÉPOCA