
Com um governo que coleciona gargalos, cortes de recursos e polêmicas na gestão da Educação brasileira, o Dia da Escola, nesta terça-feira (15), é marcado pela resistência da instituição diante do desmonte orquestrado por aquele que ocupa a cadeira máxima do poder Executivo. Desde que foi empossado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) não viabilizou projetos sólidos e coerentes para estudantes do país, mas “esganou” recursos do Ministério da Educação (MEC) nos últimos três anos.
E é quando se atrela tudo isso a um atraso proposital de vacinação de crianças e adolescentes pelo governo federal, não manutenção de fundos educaionais e a propagação de discursos preconceituosos por parte do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que fica evidente o desmantelo do Estado com a educação nacional.
No último ano de seu mandato, o projeto de destruição da área educacional forjado por Bolsonaro e seus capangas ministeriais tem data para terminar, mas deixa “marcas profundas” no país.
Cortes bilionários de recursos…
Em janeiro deste ano, o governo cortou R$ 739,9 milhões do orçamento anual do Ministério da Educação. Trata-se da segunda pasta mais afetada, atrás apenas do Ministério do Trabalho, que teve R$ 1 bilhão de recursos vetados. O texto do Orçamento foi aprovado pelo Congresso Nacional em 21 de dezembro do ano passado.
Com isso, os recursos reservados para investimentos em educação pelo presidente Jair Bolsonaro em 2020, 2021 e 2022 foram os mais baixos no Brasil desde os anos 2000.
O MEC tem este ano R$ 3,45 bilhões para investimentos, ante R$ 3,12 bilhões em 2021, mas muito aquém de números entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões de 2009 a 2015 (em valores corrigidos pela inflação). O maior valor proposto pela gestão Bolsonaro foi de R$ 4,63 bilhões, em 2020.
E as facadas não acabam por aí: em 2022, as universidades federais terão apenas R$ 5,33 bilhões disponíveis para investimentos, manutenção e bolsas estudantis, sendo menor ainda que o sancionado pelo mandatário no ano de sua posse, em 2019, que foi de R$ 6,06 bilhões.
Desde 2019, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ultrapassa os 20%. Considerando esse índice e o orçamento de 2019, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) aponta que o montante reservado às universidades deveria ser ao menos de R$ 7,2 bilhões para que se mantivesse sua capacidade de compra. Atualmente, ele é 25% menor que isso.
Em 2015, no governo de Dilma Rousseff (PT), as universidades federais chegaram a receber R$ 7,86 bilhões para administrarem. O orçamento de 2022 é 32% menor.
… mas a verba para Centrão tá garantida
Para garantir o pagamento do orçamento secreto ao centrão, Bolsonaro cortou investimentos em áreas fundamentais, como educação. Em seu último ano de mandato, Bolsonaro levou os investimentos ao menor nível da história, que foi reduzido em R$ 42,3 bilhões, para tentar faturar com programas de cunho claramente eleitoral.
Bolsonaro, no entanto, deu aval para entregar R$ 16,48 bilhões em emendas para parlamentares de sua base, por meio do orçamento secreto aprovado pelo Congresso, as chamadas emendas de relator, distribuídas com pouca transparência e que foi alvo de contestação no Supremo Tribunal Federal (STF).
No total, os parlamentares têm poder sobre R$ 35,6 bilhões do orçamento em 2022, somando todos os tipos de emendas, como as emendas indicadas individualmente por cada deputado e senador, pelas bancadas estaduais e pelas comissões.
Desigualdade alarmante
Durante o governo Bolsonaro, o número de crianças de 6 a 7 anos que não sabem ler e escrever subiu de 1,43 milhão para 2,39 milhões, ou seja, entre 2019 e 2021 — um crescimento de 66,3%, aponta levantamento do Todos Pela Educação, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE.
Entre as crianças mais pobres, pretas e pardas, esse aumento foi maior. O porcentual das que têm menos condições e que não sabem ler e escrever saltou de 33,6% para 51%, enquanto entre as mais ricas, o aumento foi de 11,4% para 16,6%.
Os porcentuais de pretas e pardas que não sabiam ler e escrever passaram de, respectivamente, 28,8% e 28,2% para 47,4% e 44,5% entre 2019 e 2021. Entre as brancas, o crescimento foi de 20,3% para 35,1% no período.
Na avaliação do deputado federal Danilo Cabral (PSB-PE), o resultado é reflexo da omissão do Ministério da Educação de seu papel como articulador do ensino para o enfrentamento da pandemia.
“O negacionismo do governo Bolsonaro durante a pandemia corroborou para o agravamento das desigualdades na educação”, declarou.
O socialista afirma que o governo Bolsonaro, além da omissão, obstruiu as ações que tinham como objetivo criar condições para escolas e alunos atravessarem o período. O deputado cita como exemplo a Lei 14.172/2021, que garante tablets e internet para alunos e professores da rede básica de ensino público.
Apagão vergonhoso na educação
Sob ordens expressas do Planalto de apagar o que considera um viés excessivamente ideológico no setor e inimigo das más notícias, o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, e os dois que o antecederam trataram de emperrar e inibir o levantamento e a divulgação de informações vitais para a garantia de um ensino de alto nível. No último mês, a pasta da educação decidiu que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), não será divulgado neste ano.
A decisão causou alvoroço. Entidades ligadas à educação e à pesquisa se manifestaram contra a exclusão de dados do Censo Escolar feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep, ligado ao Ministério da Educação. A exclusão ocorreu sob a alegação de ‘adequação à Lei Geral de Proteção de Dados’.
Em nota, pelo menos 33 instituições questionam os fundamentos legais para apagar toda a série histórica de dados, usando como base o que prevê a Constituição Federal e o que determinam resoluções do próprio MEC e do Conselho Nacional de Educação.
“É preciso proteger a privacidade sem abdicar da transparência. Utilizar a LGPD como justificativa genérica para o descarte dos microdados do Censo Escolar carece de fundamento legal”, criticam as instituições, ao apontar que a própria Lei Geral de Proteção de Dados prevê, em seu artigo 7º, que a administração pública pode realizar o tratamento de dados pessoais necessários ao cumprimento de obrigação legal e/ou execução de políticas públicas, sem que para isso seja necessário o prévio consentimento do titular dos dados.
As instituições também mencionam o ‘apagamento dos direitos à educação’ e criticam o desmonte sofrido pelo Inep durante o governo Bolsonaro, além das interferências político-ideológicas aos órgãos vinculados ao MEC.
“O apagamento de dados significa, por fim, o apagamento dos direitos à educação e a tantos outros de nossas crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos do país. Nos últimos anos, o INEP tem sofrido com sucessivos desmontes de sua estrutura, que afetam a capacidade da autarquia ligada ao MEC de cumprir suas funções, isso quando não é alvo de intervenções político-ideológicas, como ocorreu no processo do ENEM 2021”, completam.
Enem 2021: crise, interferências e elitismo
No último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) realizado, uma crise foi instalada ao redor da prova. Além das possíveis interferências, servidores do Inep também relataram pressão psicológica e vigilância velada na formulação do Enem 2021 para questões polêmicas que pudessem incomodar o presidente e seu governo fossem deixadas de fora.
Segundo eles, houve tentativas de interferência no conteúdo das provas, situações de intimidação e despreparo do presidente do órgão, Danilo Dupas. O foco principal dessa intervenção seria as questões de história recente, em especial sobre a ditadura militar.
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Durante viagem internacional aos Emirados Árabes, realizada em novembro do mesmo ano, Bolsonaro sinalizou que teria interferido no Enem. O seu objetivo é que a prova tivesse “a cara do governo”, confirmando as tentativas de interferência no exame.
Além disso, o governo Bolsonaro tornou o Enem o mais elitista e branco. Em 2021, foi registrada a menor proporção de inscritos pretos, pardos e indígenas dos últimos dez anos. A prova também terá a menor participação de candidatos com isenção de taxa, ou seja, aqueles com renda familiar de até 1,5 salário mínimo.
Ministro preconceituoso
As declarações dadas pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, contra o ensino da diversidade sexual nas escolas — o que definiu como “coisa errada” —, gerou indignação por parte das principais entidades LGBTQIA+ do Brasil. Frentes desses grupos afirmam que entraram, na última sexta-feira (11), com uma representação de notícia-crime na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Ribeiro após o jornal O Globo ter divulgado o teor do discurso.
Em sua fala, dirigida a uma plateia de merendeiras durante o lançamento de um reality show em Brasília, ele disse que “uma coisa é respeitar, outra coisa é incentivar”, referindo-se a pessoas trans.
Na ação, as entidades apontam que o discurso do Ministro da Educação se configura como discursos de ódio, por incitar ao preconceito e à discriminação contra pessoas trans. Apontam ainda que as declarações de Ribeiro violam o direito fundamental à igual dignidade e igual respeito e consideração de pessoas LGBTIQA+ relativamente a indivíduos heterossexuais e cisgêneros.
O requerimento pede providências para que seja instaurada uma ação penal de racismo transfóbico contra o ministro.
O caso não foi isolado. No fim da janeiro, a Procuradoria-Geral da República denunciou o ministro da Educação ao Supremo Tribunal Federal por crime de homofobia. A denúncia se baseou em declarações dadas por ele em entrevista ao Estado de S. Paulo em setembro de 2020. Na ocasião, Ribeiro relacionou a homossexualidade a “famílias desajustadas” e disse que havia adolescentes “optando por ser gay”.
PSB na luta pela educação
O PSB, em seu processo de Autorreforma, “reafirma seu compromisso com uma educação pública, universal e de qualidade, com acesso às novas tecnologias, que garanta a inclusão dos segmentos menos favorecidos, notadamente a população negra e periférica, no mercado de trabalho e nos processos produtivos da economia do conhecimento, para não precisarem continuar — como o fazem na atualidade —, a recorrer a subempregos para sobreviver cotidianamente”.
A sigla socialista atuou fortemente contra o desmatelo na educaçao do governo Bolsonaro, desde a investigação para apurar irregularidades na organização do Enem e no Inep a defesa da gratuidade para participantes de baixa renda no exame. De acordo com o partido, é necessário reverter a crise instalada pelo governo atual e conter o projeto de redução de investimentos da educação.
“É preciso retomar os investimentos na educação pública, deter o sucateamento de suas estruturas de ensino e estancar os mecanismos que excluem grandes parcelas da população pobre do acesso à educação qualificada, facilitando o avanço do ensino pago. A política de permanente redução dos investimentos, em todos os níveis, justifica a afirmação de Darcy Ribeiro, segundo a qual a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”, afirmam os socialistas na Autorreforma.