
Um levantamento feito pelo Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e o laboratório de pesquisa forense digital do Atlantic Council revelou que o Brasil é o único país do mundo em que notícias falsas sobre cloroquina, ivermectina e azitromicina como curas para a Covid-19 continuam a circular, apesar de terem sido amplamente desmentidas por diversos estudos científicos.
O estudo “Political (self) isolation” (Auto-isolamento político) divulgado no início de novembro apontou também que, ao contrário da maioria dos países, apenas no Brasil, na Índia e nos EUA as disputas políticas internas são o principal motor para a desinformação sobre a pandemia.
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“Como nenhum desses medicamentos se provou eficaz contra a Covid-19, a discussão esfriou na maioria dos países. No Brasil, no entanto, esses tópicos persistiram, a ponto de tornar o ambiente de discussão diferente do resto do mundo”, diz o levantamento.
Brasil: campeão das fake news
Fake news ou boatos sobre hidroxicloroquina e cloroquina apareceram 176 vezes na base de dados. São 176 versões de informações falsas, que podem ter sido compartilhadas milhões de vezes. O campeão é o Brasil, com 75 casos, seguido da Índia (29), França (26) e EUA (24).
As motivações para a desinformação variam. Na França, há circulação de informações enganosas sobre cloroquina porque Didier Raoult, microbiologista que é um dos maiores defensores do uso da substância contra Covid-19, é francês.
Ele realizou um estudo indicando que a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina teria curado alguns pacientes de Covid-19. O estudo foi apontado como falho do ponto de vista científico e pouco transparente, uma vez que os dados brutos não foram compartilhados, e não teve os resultados corroborados por outros levantamentos.
Na Índia, há também o motivo comercial, pois o país é um grande produtor e exportador de cloroquina. Já no Brasil e nos EUA, o motivo é político. Os presidentes dos dois países, Jair Bolsonaro e Donald Trump, além de vários partidários e integrantes dos governos, encamparam as drogas e ajudaram a espalhar a desinformação.
Checagem de 100 agências
O estudo se baseou nas bases de dados CoronaVirusFacts Alliance, na Rede Internacional de Checagem de Fatos, e do Latam Chequea em português e espanhol, que reuniu checagens feitas por 100 agências sobre desinformação relacionada à Covid em 134 países, de janeiro a agosto de 2020. As checagens de cerca de 8,6 mil notícias ou postagens falsas ou rumores foram traduzidas para o inglês e foi realizada uma análise quantitativa e hipergeométrica.
A partir de maio, estudos científicos passaram a contestar a eficácia da cloroquina contra a Covid-19. Em 15 de junho, a Agência de Medicamentos e Alimentos dos EUA, a FDA, revogou a autorização para uso de emergência da cloroquina de seu estoque estratégico, ao determinar, com base em evidências científicas, que cloroquina e hidroxicloroquina não eram efetivos no tratamento da doença viral. Em 17 de junho, foi a vez de a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciar que iria parar com os testes clínicos usando a substância, pelo mesmo motivo.
Mentiras ligadas à política
Após essas declarações de entidades científicas e estudos, a disseminação de declarações falsas sobre cloroquina caiu na Índia, França e nos EUA, mas não no Brasil. Das 60 checagens sobre cloroquina feitas a partir do dia 19 de maio, 43 vieram do Brasil.
Boatos e fake news sobre a ivermectina ser uma cura para Covid-19 também são muito concentrados no Brasil, onde ocorreram dois terços das checagens sobre o assunto (23 de 36 vezes). Depois, veio a Colômbia, com 7, e o México, com 3 checagens – mas só no Brasil o tema continuou circulando até agosto, mesmo após inúmeros estudos apontando a ineficácia da substância. Para autores do estudo, isso mostra que a ciência e a checagem de fatos não estão conseguindo combater com a presença dessas mentiras no debate público.
Desinformação
O tipo de fake news que circula no Brasil e na Índia é muito diferente do resto do mundo. Em vários países, repetem-se temas como chás caseiros, métodos artesanais para evitar a Covid-19, a não necessidade de isolamento ou uso de máscara, origem do vírus e teorias da conspiração envolvendo a China. Mas Índia, Brasil e EUA são os países onde a desinformação está diretamente ligada à política interna desses países.
Outra “jabuticaba” brasileira, que também demonstra a motivação política da desinformação no país, é a frequência das notícias falsas referentes a “governador”, normalmente o governador de São Paulo, João Dória, mas também os governadores da Bahia, Rui Costa, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. “A palavra ‘governador’ não aparece nessa frequência em nenhum país; no Brasil, além de tudo, aparece duas vezes mais do que ‘presidente’.
O Brasil destoa até dos países vizinhos, onde predomina desinformação que propagandeia curas caseiras para o vírus –gargarejo com vinagre, gengibre, chás. “Em outros países, essa desinformação tem como lastro ‘autoridades’ tradicionais, cultura local; no Brasil, vem de políticos”, diz João Guilherme Santos, pesquisador do INCT-DD e do Laboratório de Dados e co-autor do estudo.
Com informações da Folha de S.Paulo
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