
A Câmara dos Deputados reativou na quarta-feira (17) o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar para analisar o caso do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O órgão esteve com as atividades suspensas desde o início da pandemia do coronavírus. O correspondente no Senado Federal continua sem atividades.
Durante o período em que esteve com as atividades suspensas, o colegiado não saiu da inatividade para analisar o caso da deputada Flordelis (PSD-RJ), ré por suspeita de mandar matar o marido. E o caso segue sem prazo para ser apreciado.
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No Senado, ainda sem a retomada das atividades, o Conselho de Ética não foi capaz de analisar a representação contra o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro na cueca em outubro do ano passado.
Com o fim da licença parlamentar de 121 dias, Rodrigues retomou o mandato na quinta-feira (18) e tem sido pressionado a se afastar novamente. O senador sequer chegou a ser substituído pelo suplente, como determina o regimento interno da Casa. Com isso, o Senado passou os últimos quatro meses com 80 integrantes.
Também segue sem análise o caso do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O processo contra o filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aponta, entre outros fatos, a suposta ligação dele com milicianos e a investigação do Ministério Público do Rio sobre o esquema de “rachadinha”.
Agilidade no caso Silveira
A agilidade da Câmara dos Deputados em retomar as atividades do Conselho de Ética para analisar o caso de Silveira suscita questionamentos. Qual o critério para a urgência em analisar processos de quebra de decoro parlamentar? É mais grave ferir a Lei de Segurança Nacional e ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal do que estar envolvido em um caso de homicídio?
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A deputada federal bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) também atacou um ministro do Supremo em maio de 2020 e ficou por isso mesmo. Assim como o colega Silveira, a ex-procuradora é investigada pelo inquérito que apura fake news no STF.
A parlamentar, inclusive, é a indicada do PSL para assumir a presidência da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara, a mais importante da Casa. Mas parece que o vídeo do colega extremista pode atrapalhar a sua eleição para a presidência do colegiado. Confira abaixo o vídeo no qual ela ataca o ministro Celso de Mello.
Quando o agora presidente da República, ainda deputado federal, em 2016, votou em favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ele exaltou a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Chamado por Bolsonaro de “o pavor de Dilma Rousseff, o militar foi chefe do DOI-Codi do Exército de São Paulo durante a ditadura militar, entre 1970 e 1974.
Sob a liderança do coronel idolatrado por Bolsonaro, o órgão de repressão política do governo militar assassinou ou desapareceu com, pelo menos, 50 pessoas. Outras 500 foram torturadas, segundo a Comissão Nacional da Verdade. Naquela ocasião, o então deputado federal não sofreu nenhuma sanção de seus pares e sequer foi julgado pelo Conselho de Ética da Casa.
Paradoxo da tolerância
O chamado ‘paradoxo da tolerância‘, conceito criado pelo filósofo da ciência austríaco Karl Popper (1902-1994), questiona se a democracia deve tolerar os intolerantes. A ‘liberdade de expressão’ a eles conferida, permitindo-lhes disseminar ideias antidemocráticas, pode levar ao desaparecimento da democracia?
No livro A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos Popper apresenta a ideia de que, em uma sociedade, a tolerância ilimitada leva, paradoxalmente, ao desaparecimento da tolerância.
O filósofo, no entanto, pondera que não se podem proibir as ideias intolerantes. Para ele, a intolerância deve ser combatida por argumentos racionais. Caso contrário, o direito à supressão pode ser reivindicado.
“Devemos-nos, então, reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante. Devemos exigir que qualquer movimento que pregue a intolerância fique fora da lei e que qualquer incitação à intolerância e perseguição seja considerada criminosa, da mesma forma que no caso de incitação ao homicídio, sequestro ou tráfico de escravos.”
Karl Popper
Antes de Popper, o filósofo grego Platão já havia notado um paradoxo semelhante na democracia. Ele dizia que a democracia pode facilmente se transformar em uma tirania se os governantes receberem demasiada confiança para decidir por um grande número de pessoas, se não forem submetidos a escrutínio.
“Não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; desde que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente à opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente. Mas devemos-nos reservar o direito de suprimi-las, se necessário, mesmo que pela força; pode ser que eles não estejam preparados para nos encontrar nos níveis dos argumentos racionais, ao começar por criticar todos os argumentos e proibindo seus seguidores de ouvir argumentos racionais, porque são enganadores, e ensiná-los a responder aos argumentos com punhos ou pistolas”.
Platão
Importante é a pauta neoliberal
A despeito das formulações filosóficas acerca do paradoxo da intolerância, a grande questão que ronda o Legislativo brasileiro é a pressa em aprovar a pauta neoliberal do governo Federal.
Não por acaso, o atual presidente da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), segundo o Estadão, teme que a polêmica envolvendo Silveira atrase a análise de temas econômicos em discussão na Casa.
Lira esteve com o presidente da República para tratar do assunto nesta quinta-feira (18). Durante o encontro, confirmou que a prisão do deputado bolsonarista deverá ser mantida pelo Plenário da Casa. A apreciação do tema pela Casa está marcada para esta sexta-feira (19).
*Iara Vidal é jornalista e pesquisadora independente de Moda e Política