Questionado por senadores durante audiência na CPI da Pandemia, nesta terça-feira (18), o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo negou que a condução da diplomacia brasileira durante sua gestão tenha prejudicado o processo de aquisição de vacinas e insumos para o Brasil — principalmente os provenientes da China.
Entre os parlamentares que criticaram a atuação de Ernesto Araújo está o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), e a presidenta da Comissão de Relações Exteriores do Senado (CRE), Kátia Abreu (PP-TO).
Ernesto Araújo deixou o Ministério das Relações Exteriores em 29 de março, após receber fortes críticas, inclusive de senadores, sobre sua atuação à frente da pasta.
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Leila Barros questiona Araújo sobre fake news
A senadora Leila Barros (PSB-DF), mesmo sem integrar a CPI, participa ativamente dos trabalhos. Nesta nona reunião, a parlamentar socialista cobrou explicações do ex-titular do Itamaraty sobre postagem dele de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria impedido o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de atuar no enfrentamento à pandemia.
A publicação citada pela senadora foi comentada pelo ministro do STF Gilmar Mendes, que classificou a informação como fake news. Leila também questionou a prática de minimizar a pandemia por parte do governo federal. Confira trecho da fala da socialista.
Socialistas reagem ao depoimento do ex-chanceler
O líder a Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), comentou o impacto da informação prestada pelo ex-ministro das Relações Exteriores sobre o baixo percentual de vacinas contratadas pelo governo federal. “O Brasil pode ultrapassar 750 mil mortos por covid, em agosto, se o ritmo da vacinação não melhorar”, alertou.
O deputado Elias Vaz (PSB-GO) afirmou que a prioridade do governo deveria ser a imunização em nada. “Mas temos um presidente que ignorou a compra de milhões de doses e que insiste em ofender os fornecedores do ingrediente farmacêutico”, escreveu.
Artigo sobre o “Comunavírus” foi escrito por Araújo em 2020
Durante a sessão, o presidente Aziz citou artigo do ex-chanceler publicado em abril de 2020, que fez referência ofensiva à China ao mencionar o coronavírus como um “vírus ideológico”.
“O senhor não acha que chamar [o vírus] de “comunavírus” não é uma coisa que indispõe a relação amigável que nós sempre tivemos, comercial, com a China? Se o senhor não acha isso, eu não sei o que mais achar. Inclusive, é até de se estranhar um chanceler, um ministro das Relações Exteriores, escrever um artigo contra um país com o qual nós temos uma relação comercial superavitária, que ajuda muito no superavit primário do Brasil, coisa que nós não temos com os Estados Unidos.”
Omar Aziz
Araújo negou atritos com a China
Ao ser questionado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se sua atuação prejudicou a relação com a China, Ernesto disse não concordar com essa avaliação, e argumentou que o crescimento do comércio brasileiro com esse país fornece indícios de que havia uma “boa diplomacia”.
Ernesto Araújo disse que não fez “nenhuma declaração” que fosse entendida como “antichinesa”. Ele observou que, em determinados momentos, queixou-se por meio de comunicados oficiais de comportamentos da Embaixada da China ou do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Mas, na sua visão, isso não teria prejudicado relação diplomática entre os dois países.
“Memória seletiva”
Já a senadora Kátia Abreu (PP-TO) declarou que o ex-chanceler possui uma “memória seletiva”, porque, segundo ela, o ex-ministro deixou de fazer referência, durante o depoimento, às citações que ele mesmo fazia, em blogs e redes sociais, contra a China e o governo chinês.
Para ela, o crescimento dos negócios brasileiros com a China e as mais de 85% das doses de imunizantes aplicadas no Brasil, resultantes do trabalho conjunto entre o laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan, se deram a “despeito” da diplomacia conduzida por Ernesto Araújo. Para a senadora, hoje o Brasil depende daqueles que foram diretamente atacados pelo ex-ministro.
Kátia Abreu apresentou um requerimento no qual solicita todos os ofícios do Ministério das Relações Exteriores (MRE) às embaixadas brasileiras que tratem de vacinas, cloroquina e todas as medicações relacionadas à Covid-19.
Ao responder aos senadores, Ernesto Araújo também disse que o presidente Bolsonaro nunca deu ordem ou orientação para rejeitar parcerias internacionais destinadas ao fornecimento de insumos e vacinas, especialmente da China.
Consórcio Covax Facility
Renan Calheiros questionou o ex-ministro sobre o porquê de o Brasil ter aderido ao consórcio Covax Facility assinando contrato com a opção de 10%, em vez de 50% a que o Brasil teria direito em vacinas. Segundo Ernesto Araújo, a decisão foi tomada pelo Ministério da Saúde no âmbito da estratégia do Plano Nacional de Imunização (PNI).
Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI, perguntou se o fato de o Brasil ter assinado o contrato para aquisição dessas vacinas somente em setembro de 2020, quando mais de 170 países já tinham aderido ao consórcio, teria gerado atrasos no envio desses imunizantes ao Brasil. Ernesto Araújo respondeu que a data da assinatura não alteraria o cronograma de envio dessas vacinas e o cronograma do plano de vacinação do país.
Vacina da Pfizer
O ex-ministro confirmou que o MRE recebeu telegrama que informava sobre a proposta da Pfizer de setembro do ano passado com a oferta de 100 milhões de doses de vacinas ao Brasil. Ele afirmou que o Itamaraty deixou sob a responsabilidade do Ministério da Saúde a decisão sobre a proposta e, por isso, não interveio.
Questionado por Randolfe Rodrigues sobre a razão de não ter comunicado imediatamente ao presidente da República, Ernesto Araújo disse que “presumia” que Bolsonaro já sabia disso. Segundo o ex-ministro, o telegrama informava que a carta da Pfizer tinha sido encaminhada à Presidência da República e aos ministérios da Saúde e da Economia.
Vários senadores também criticaram o alinhamento ideológico que houve entre a política internacional do Brasil e o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Eles questionaram por que essa relação de proximidade não foi usada para garantir o envio de imunizantes excedentes naquele país ao Brasil.
Cloroquina, para governista, é “cortina de fumaça”
Mas o senador Marcos Rogério (DEM-RO), da base aliada ao governo, defendeu o alinhamento que havia com os Estados Unidos nessa época como “estratégico” — o senador também declarou que esse alinhamento se distanciava de correntes “ideológicas” de governos anteriores. Ernesto complementou essa declaração afirmando que, até o momento, não tem conhecimento de qualquer parceria dos Estados Unidos para fornecer vacinas a outros países.
Marcos Rogério disse ainda que a CPI está se tornando a comissão da cortina de fumaça, pois, segundo ele, preocupa-se com questões menos importantes, em vez de investigar desvios de recursos púbicos. “Vamos seguir o dinheiro!”, afirmou ele.
Convocações aprovadas pela CPI da Pandemia
A CPI da Pandemia abriu a reunião desta terça com a aprovação da convocação de dois nomes ligados ao Ministério da Saúde: o ex-secretário executivo Elcio Franco Filho e o atual secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos, Hélio Angotti Neto. Também foram aprovados pedidos de informações a órgãos e integrantes do governo.
Elcio Franco Filho foi o número dois da pasta durante a gestão de Eduardo Pazuello. Quatro requerimentos pediram a convocação dele e pedem detalhes da atuação do ex-secretário no combate à pandemia, principalmente no que diz respeito a compras e abastecimento de insumos para estados e municípios.
A outra testemunha a ser ouvida é o atual secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos, Hélio Angotti Neto, que também é presidente do Plenário da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
Pedidos de informações
O presidente Aziz incluiu ainda outros 12 requerimentos na pauta com pedidos de informações a órgãos e integrantes do governo. Ao Ministério da Saúde, pede, por exemplo, todos os contratos de compra de vacinas, bem como protocolos de intenções celebrados com fornecedores. Ao Ministério de Relações Exteriores, foram solicitadas informações sobre o desenvolvimento de spray nasal de combate a covid-19.
A CPI deve investigar a existência de um possível “ministério paralelo da saúde”, que teria atuado junto ao governo federal na defesa de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19. Um conjunto de requerimentos apresentados nesta semana prevê a convocação e a quebra de sigilo do empresário Carlos Wizard e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República, Jair Bolsonaro.
Os pedidos sugerem a quebra dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático do empresário e do vereador, além de transferência de informações de plataformas como Google, WhatsApp, Facebook, Instagram, Messenger e Apple e de dados mantidos pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Até a manhã desta terça, 278 requerimentos aguardavam votação na CPI da Pandemia.
Com informações da Agência Senado