
O defensor público da União, Jovino Bento Júnior, branco, entrou com uma ação civil pública na Justiça do Trabalho contra a Magazine Luiza por conta do que ele classificou como “marketing da lacração”, após um programa de trainees voltados exclusivamente para negros.
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O autor da petição alega que a iniciativa não é necessária, porque existem outras maneiras para atingir o mesmo objetivo da inclusão social. Além disso, afirma que acarretaria em uma imensa desproporção entre ônus e bônus, que seria arcado por milhões de trabalhadores.
Marketing de lacração
A ação afirma que o trainee exclusivo para negros é “certamente uma estratégia de marketing empresarial”. Ainda, diz que os profissionais de publicidade, propaganda e marketing já deram um nome técnico para essa prática: “Marketing de Lacração”.
O processo cobra R$ 10 milhões de indenização por danos morais pela “violação de direitos de milhões de trabalhadores (discriminação por motivos de raça ou cor, inviabilizando o acesso ao mercado de trabalho)”.
GRAVE: sem qualquer fundamento legal, a Defensoria Pública da União processa Magazine Luiza pelo programa de trainees para negros, citando Sérgio Camargo. Não leu a CF, e não leu o Art. 1.4, Decreto 65.810 e o Art. 39, do estatuto da igualdade racial que permitem ação afirmativa. pic.twitter.com/BI3CrcSDti
— Thiago Amparo (@thiamparo) October 6, 2020
Apesar disso, Bento Júnior afirma que a política de cotas deve ser incentivada como forma de reduzir vulnerabilidades.
“A política de cotas constitui-se em forte instrumento para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, disse, em nota.
Racismo estrutural
Em entrevista ao programa Roda Viva, na noite de segunda-feira (5/10), a empresária Luiza Trajano, dona da rede Magazine Luiza, afirmou ter optado pelo programa de trainee exclusivo para pessoas negras ao descobrir que existiam poucos executivos negros em altos cargos da empresa.
“Temos que entender mais o que é racismo estrutural. O dia que entendi até chorei, porque sempre achei que não era racista até entender o racismo estrutural”, contou Luiza.
Ela destacou que existe sim uma desigualdade racial desde a educação básica e que a iniciativa não se trata de “oba oba”, pois passou por um comitê antes de ser aprovada.
A ideia é oferecer 20 vagas em todo o país, com orientações para que sejam recebidos currículos de pessoas sem algumas obrigatoriedades, como a necessidade de saber falar inglês, por exemplo.
Após a divulgação da rede Magazine Luiza, a Bayern também anunciou um programa de trainees exclusivo para pessoas negras.
Repúdio
O Grupo de Trabalho de Políticas Etnoraciais da Defensoria Pública da União divulgou nota de repúdio à postura de Jovino Bento Júnior. O grupo afirma que “atuará no âmbito do referido processo coletivo, ao lado dos movimentos sociais protetivos dos direitos da população negra, buscando o indeferimento da petição inicial ou a improcedência dos pedidos nela formulados”.
Defensores públicos federais também se manifestaram contra a ação impetrada por Bento Junior.
“Para a Anadef (Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais), a promoção de ações afirmativas para a efetividade dos direitos da população negra, quilombolas, crianças e adolescentes, idosos, vítimas de tráfico de pessoas, de trabalho escravo, LGBTI+, entre outros grupos vulneráveis, é uma das mais relevantes conquistas normativas da Defensoria Pública e merece ser resguardada como instrumento de prevalência dos direitos, das liberdades individuais e do próprio sistema democrático”, disse em nota.
Com informações do Estadão