A negligência do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) na agenda ambiental gerou barreiras na negociação entre o Brasil e os Estados Unidos. Representantes do governo de Joe Biden querem que o governo federal apresente resultados concretos imediatas na preservação do meio ambiente para a destinação de recursos financeiros. A longo prazo, o objetivo é garantir que a administração brasileira acabe totalmente com o desmatamento ilegal no país até 2030.
Em conversa com jornalistas, um integrante do Departamento de Estado dos EUA disse que a Casa Branca espera demonstrações fortes e rápidas de que pode construir uma relação de confiança com o governo de Bolsonaro no tema. Em uma carta enviada ao presidente brasileiro em fevereiro, Biden já havia dito esperar por alguma evidência do comprometimento antes da cúpula global do clima que está organizando para abril, e para a qual Bolsonaro foi convidado.
“O governo brasileiro precisa nos mostrar que não irá tolerar a ilegalidade e não irá fingir que não está vendo o que acontece [na Amazônia]”, disse porta-voz dos Estados Unidos.
Neste plano, os EUA reiteram a necessidade de ver penalidades sendo aplicadas a quem desmata ilegalmente, o fortalecimento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), reconhecimento do papel dos estados e a inclusão de povos indígenas, comunidades tradicionais e organizações não governamentais na agenda governamental.
“Tudo o que o governo Bolsonaro abomina”, afirmou o líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ) ao comentar sobre as exigências do governo estadunidense.
Desmatamento em alta
Dados de monitoramento por satélite divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a taxa de desmatamento na Amazônia aumentou 34% em 2020, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Essa foi a segunda alta consecutiva nos primeiros dois anos de gestão do presidente Jair Bolsonaro.
O governo de Biden se disse disposto a continuar fornecendo auxílio técnico, tecnológico e até material para o monitoramento das áreas desmatadas e controle de queimadas. Os estadunidenses reconhecem, porém, a necessidade do governo tomar as rédeas da própria situação e criar mecanismos internos para garantir que as leis sejam aplicadas e que as comunidades locais e os indígenas sejam capazes de construir uma economia sustentável.
Recompensas financeiras
Ainda segundo o funcionário do Departamento de Estado, o Brasil poderá ser recompensado financeiramente pelos avanços conquistados.
“Estamos dispostos a negociar uma agenda de compensação financeira. Se o Brasil puder reduzir seu desmatamento e demonstrar que tem um mecanismo eficaz para evitar o corte da árvore, então haveria pagamentos da comunidade global”, disse.
A princípio, a ideia é realizar os pagamentos a partir dos resultados, e não fazer investimentos adiantados. “Precisamos de uma ação imediata para ajudar na construção de uma relação de confiança. Se o mundo vai fazer um investimento para ajudar a evitar o desmatamento, é preciso que os investidores vejam resultados”, afirmou o oficial, sob condição de anonimato.
Entretanto, o membro do governo de Biden admitiu que algum investimento prévio pode ser necessário para iniciar a mudança. “Estamos avaliando como combinar as duas coisas. Pagamentos que podem vir de países, os EUA poderiam contribuir com parte disso, mas outra parte poderia vir tanto do setor público como do privado”.
Sanções
Questionado sobre a possibilidade de aplicar sanções contra o governo brasileiro ou empresas que descumprem a legislação ambiental nacional, o oficial do Departamento de Estado afirmou que os Estados Unidos ainda não enxergam essa como uma possibilidade.
“Neste momento não vemos as sanções como um ponto de partida”, disse ao Valor Econômico. “Mas não significa que nós nunca consideramos a possibilidade. Significa apenas que neste momento não pretendemos começar nossa conversa a partir disso”.
Fundo emergencial
Desde que assumiu a Casa Branca em janeiro, Joe Biden trata a questão do meio ambiente como prioridade. O democrata prometeu eliminar as emissões de carbono do setor elétrico dos EUA até 2035 e já tratou diversas vezes do desmatamento da Amazônia.
Ele anunciou durante a campanha eleitoral a intenção de criar um fundo de 20 bilhões de dólares para preservar a região. Segundo o Departamento de Estado, essa proposta está sendo desenvolvida e deve ser colocada em prática em breve.
Na época que o fundo foi anunciado, o presidente Jair Bolsonaro disse que não está disposto a aceitar suborno e acusou mais uma vez os governos estrangeiros dos Estados Unidos e da Europa de ameaçar a soberania nacional. “Reconhecemos a soberania do Brasil ao lidar com questões em relação à Amazônia”, disse o oficial do governo americano na conversa desta segunda. “Mas queremos usar nossa parceria para encorajar o Brasil a atingir metas mais ambiciosas”.
A relação entre o Brasil e os Estados Unidos se tornou mais tensa desde que Biden assumiu o cargo. O governo de Bolsonaro mantinha uma relação próxima com seu antecessor, Donald Trump, e chegou inclusive a apoiar as contestações falsas do republicano sobre o resultado das eleições.
Transição ecológica
Diferente da gestão predatória dos recursos naturais e omissa do governo de Bolsonaro, o PSB possui uma agenda para o meio ambiente pautada na preservação da biodiversidade e de aperfeiçoamento das ferramentas de fiscalização dos biomas nacionais, como a floresta Amazônica.
Em sua mais recente compilação de teses que apresenta propostas para a Autorreforma do PSB e a adoção de diversas medidas para uma futura gestão socialista, o partido cita que o uso racional dos recursos naturais, a imposição de barreiras na pecuária bovina, ações efetivas na mitigação da grilagem e do garimpo ilegal, atreladas a um projeto de desenvolvimento sustentável permitem uma transição ecológica rumo a conservação de uma das maiores florestas tropicais do mundo.