Uma onda neonazista assustadora se espalha pelo Brasil. Com a proximidade das eleições e da forte polarização política, eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL) se cegaram diante a ameaça bolsonarista que pode retornar ao poder por mais quatro anos.
Nesta quinta-feira (20), o colunista Gregório Duvivier afirmou, na Folha de S. Paulo, que há claras ligações entre Jair Bolsonaro e o nazismo. “Bolsonaro disse que a ditadura tinha que ter matado 30 mil, que prefere ter um filho morto a homossexual, já tirou fotos com um homem fantasiado de Hitler, escreveu carta agradecendo apoio de neonazista e até inventou que tinha um avô que lutou a Segunda Guerra ao lado dos nazistas (seu avô chegou ao Brasil no século 19)”, declarou na coluna.
Duvivier também cita o fato de Bolsonaro ter se apropriado do lema utilizado durante a Alemanha nazista. “Seu slogan ‘Brasil acima de todos’ é uma apropriação idêntica do lema ‘Deutschland uber alles“, completou.
“Michel Gherman, historiador especializado em Holocausto, concorda: o bolsonarismo é um filhote do nazismo. O problema de ter Bolsonaro na disputa eleitoral é que a pura constatação da realidade soa como demonização. Em circunstâncias normais, configura golpe baixo chamar o adversário de nazista, ou de pedófilo, ou de vagabundo, ou de miliciano. No caso de Bolsonaro, evitar os palavrões é passar pano pra nazista. Não tem outro nome”, disse ainda Duvivier.
E Duvivir está certo. Empoderados pelo discurso racista, anticomunista, armamentista e LGBTfóbico do presidente, grupos radicais de extrema direita e de inspiração em Hitler proliferam nas redes e até se arriscam a se mostrar em pequenos grupos nas ruas com bandeiras, palavras de ordem e, por vezes, violência. O crescimento dessa vertente de ultradireita no país sob o comando de Jair Bolsonaro pode ser quantificado na internet.
A cientista social, antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, que dedica sua vida ao estudo do avanço dos grupos neonazistas no mundo e, especialmente no Brasil, divulgou dados preocupantes sobre o tema.
“Somente em 2021, quase 1 milhão de pessoas leram material neonazista”, declarou Adriana. Além da leitura, esse conteúdo acabou sendo propagado de diversas formas, principalmente por meio das redes sociais, inclusive estimulado Bolsonaro, que nutre uma ligação antiga com esses grupos.
Outro número assustador, segundo Adriana, é que hoje há 530 células de 52 grupos neonazistas. Isso representa que há focos “em quase todos os estados do Brasil”. Ela contou, ainda, que hoje esse crescimento é de 150% ao ano. “Perdeu-se o controle da ameaça que isso representa”.
Ligação de Bolsonaro com o neonazismo
Para corroborar que a ligação de Bolsonaro com o neonazismo é antiga, Adriana relembrou que encontrou uma carta do atual presidente publicada em sites neonazistas em 2004. Três sites diferentes de neonazistas mostravam um banner com a foto de Bolsonaro e o link que levava ao site que o então deputado tinha na época, além de uma carta em que ele afirmava:
“Ao término de mais um ano de trabalho, dirijo-me aos prezados internautas com o propósito de desejar-lhes felicidades por ocasião das datas festivas que se aproximam, votos ostensivos aos familiares. Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato”, dizia a carta.
Leia também: Casos de crimes de apologia ao nazismo explodem após eleição de Bolsonaro
Em 2019, Bolsonaro rememorou, durante um encontro com evangélicos no Rio de Janeiro, sua ida ao Museu do Holocausto, em Jerusalém, feita durante a visita diplomática ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu e deu uma declaração polémica na época.
Bolsonaro disse que era possível “perdoar” o crime dos nazistas contra a humanidade, que resultou na morte de seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. E que o importante, argumentou, era não esquecer o ocorrido, para evitar que se repita.
“Fui, mais uma vez, no Museu do Holocausto. Nós podemos perdoar, mas não podemos esquecer. E é minha essa frase. Quem esquece seu passado está condenado a não ter futuro. Se não quer repetir a história, que não foi boa, vamos evitar com ações e com atos para que ela realmente não se repita daquela forma”, disse o presidente.
Durante a mesma viagem, Bolsonaro fez coro às declarações, do agora, ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, para quem o nazismo foi um movimento político “de esquerda”, contrariando a posição majoritária de historiadores no Brasil e no mundo – o próprio Museu do Holocausto ensina que o nazismo é um movimento político de extrema direita.
Governo Bolsonaro faz alusões ao nazismo
A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) publicou em maio de 2020, uma mensagem com uma construção próxima à de um slogan do nazismo. “Parte da imprensa insiste em virar as costas aos fatos, ao Brasil e aos brasileiros. Mas o governo, por determinação de seu chefe, seguirá trabalhando para salvar vidas e preservar o emprego e a dignidade dos brasileiros. O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”, escreveu a Secom no post.
A expressão “o trabalho liberta” estava inscrita na entrada do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde se estima que a máquina de guerra nazista tenha assassinado 1,3 milhão de pessoas – principalmente judeus, mas também poloneses cristãos, ciganos e soviéticos.
Em entrevista à BBC News Brasil, o rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP) Michel Schlesinger diz que o episódio se soma a uma série de ocasiões em que o governo Bolsonaro se portou de maneira condenável em relação ao regime nazista. “Agride a memória de vítimas do Holocausto e ofende a sensibilidade de sobreviventes”, disse Schlesinger, na época
O episódio ocorreu poucos dias após o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ser criticado por várias organizações judaicas por comparar a quarentena gerada pelo novo coronavírus aos campos de concentração.
Apologia ao nazismo na Cultura
Em janeiro do mesmo ano, o então secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, foi demitido após divulgar um vídeo com falas semelhantes a um discurso do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.
Na ocasião, Roberto Alvim falou que se trata de uma “coincidência retórica” e em seguida, disse que “a frase em si é perfeita”.
A frase que havia sido dita por Alvim foi:
“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada”, disse o brasileiro.
Após a repercussão negativa gerada nas redes sociais devido à semelhança com uma fala de Goebbels, Alvim declarou que colocou seu cargo à disposição para “proteger” Bolsonaro. “Tendo em vista o imenso mal-estar causado por esse lamentável episódio, coloquei imediatamente meu cargo a disposição do Presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de protegê-lo”, escreveu Alvim em sua página no Facebook.
O atual secretário especial de Cultura do governo federal, Mário Frias, assim como Araújo, também comparou as medidas de combate à pandemia impostas por governadores e prefeitos ao Holocausto, em março de 2021.
Em uma publicação no Twitter, o ex-ator Frias reproduziu um trecho do filme A Lista de Schindler (1993) que mostra trabalhadores judeus sendo assassinados por tropas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Nas cenas, as vítimas aparecem argumentando que eram “trabalhadores essenciais”, mas os carrascos nazistas ignoram os apelos. No fim do vídeo, aparece uma mensagem em português: “Por medo, estamos permitindo políticos decidirem quem é essencial e quem não é. Cuidado. Seu trabalho é essencial. Você é essencial.”
“O setor de eventos clama para poder levar o pão para dentro de casa, para poder sustentar a própria família. Até quando um burocrata arrogante irá dizer que ele não é essencial?”, completou Frias numa mensagem que acompanhava o vídeo.