O Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou, na quarta-feira (8), a retomada de um contrato do ministério da Justiça e Segurança Pública para a aquisição de um programa de espionagem em fontes abertas, mídias sociais, deep e dark web.
O ministro Bruno Dantas, relator do processo no TCU, derrubou uma medida cautelar de 2021 e autorizou a retomada do contrato com a adoção de algumas medidas, entre elas fazer constar no contrato as funcionalidades de segurança e a auditabilidade do sistema.
O processo teve início com ação apresentada pelas organizações Conectas Direitos Humanos, Instituto Igarapé, Instituto Sou Da Paz e Transparência Internacional. Em janeiro, o TCU manteve uma decisão anterior, de novembro de 2021, em que suspendeu o pregão eletrônico que contratou o sistema da Harpia Tech.
As entidades apontaram que “havia irregularidades graves na licitação, entre elas a própria ilegalidade da contratação de um sistema capaz de monitorar e perfilar cidadãos sem qualquer justificativa prévia, a ausência de mecanismos de controle e fiscalização e a própria modalidade de licitação adotada, absolutamente inadequada para o tipo de serviço pretendido”.
De acordo com as ONGs, apesar de ser uma tecnologia distinta da Pegasus – software que permite a invasão de dispositivos celulares e computadores -, a plataforma comercializada pela Harpia Tech também é “problemática”.
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Problemas
Um dos pontos questionados é a contratação do sistema pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Desde sua criação, em 2019, o órgão funciona como “braço de inteligência do Ministério da Justiça”.
O dossiê Defendendo o Brasil do Tecnoautoritarismo, produzido por pesquisadores do tema, aponta que a plataforma da Harpia “constitui-se enquanto ferramenta cujo funcionamento serve ao monitoramento constante de pessoas, sobretudo em relação a suas atividades online. Tal monitoramento, cumpre ressaltar, não se restringe à atenção por atividades criminosas, mas, como visto, se estende, de forma preocupante, a atividades que traduzem um livre exercício de direitos civis e políticos, como hackativismo e pesquisa acadêmica”, diz o material.
“Dessa forma, pode-se dizer que a Solução cuja compra pretende a Seopi entrega uma capacidade ampla de vigilância e, consequentemente, pode interferir diretamente no exercício de direitos fundamentais e facilitar atividades desviantes da ordem democrática e constitucional, como a reunião de dados que podem permitir inferências sensíveis e a produção de dossiês sobre qualquer cidadão, independentemente de suspeita fundada e ordem judicial”, explica o dossiê.
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Edital nasceu para comprar o Pegasus
De acordo com reportagem publicado pelo portal UOL, o pregão eletrônico que contratou a Harpia surgiu porque o governo estava interessado em contratar o software de espionagem Pegasus.
Desenvolvido pela empresa israelense NSO Group, o serviço já foi utilizado por dezenas de governos em diferentes países para invadir celulares de opositores, jornalistas e defensores de direitos humanos. A empresa, no entanto, deixou as negociações com o governo após repercussão na mídia.
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Como a licitação seguiu com outras empresas, a Harpia Tech, portanto, foi a escolhida pelo governo federal para entregar serviços. Segundo a ONG Conectas, uma das que se mobilizou contra a contratação, mesmo com a retirada da empresa israelense, o TCU apontou “a ilegalidade da contratação de um sistema capaz de monitorar e perfilar cidadãos sem qualquer justificativa prévia” e “a ausência de mecanismos de controle e fiscalização”.
Por Brasil de Fato