Com incentivo do presidente Jair Bolsonaro (PL), os colecionadores de armas, atiradores e caçadores (CACs) se articulam para a partir de 2023 formar uma bancada no Congresso. Em todo o País, há 34 pré-candidaturas a deputado federal, senador e governador de nomes ligados à Associação Proarmas, a mais representativa da classe. Para os legislativos estaduais e distrital, há mais 23 nomes sendo preparados. Nos planos do maior grupo armado do País também está a criação de um partido político. É a primeira vez que esse agrupamento, que supera todas as polícias militares em quantidade de membros e em arsenal, se organiza nos Estados e com o Palácio do Planalto para eleger representantes.
Bolsonaro, candidato à reeleição, tem recebido lideranças e pré-candidatos do movimento no Planalto para vídeos e fotos manifestando apoio a esses aliados. A estratégia conflita com o que o núcleo da campanha tem se queixado: falta de interlocução de Bolsonaro com apoiadores de outros segmentos, como o meio empresarial.
Graças à política pró-armamento do governo, o total de CACs registrado saltou de 117.467, em 2018, para 673.818 este ano. O montante supera todos os 406 mil policiais militares da ativa que atuam em todo o País e ainda é maior que o efetivo de cerca de 360 mil homens das Forças Armadas.
A movimentação política é vista com preocupação por policiais e por especialistas em segurança pública. Ao contrário da Polícia e das Forças Armadas, os CACs não possuem a hierarquia do meio militar e têm no presidente e no deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) suas maiores referências. Líder do Proarmas, o advogado Marcos Pollon anunciou sua candidatura à Câmara pelo Mato Grosso do Sul dias depois de ser recebido por Jair Bolsonaro no Planalto.
Em vídeo publicado por Pollon no dia 6 de julho, três dias antes de uma grande manifestação dos CACs na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro acenou mais uma vez à classe. “A todos vocês CACs, um grande abraço, parabéns pelo momento, por essa oportunidade, pela iniciativa”, disse. “E parabéns também quem? Marcos Pollon. Parabéns, Marcos.”
O objetivo do movimento Proarmas é eleger candidatos ao Legislativo, em Brasília e nos Estados, para flexibilizar leis que tratam de armamentos. A atuação política, entretanto, já funciona há meses, sob a coordenação de Eduardo. O filho do presidente articulou armamentistas nos Estados para aprovar leis que facilitam o porte de arma aos CACs. Apesar de eles poderem circular armados, o deslocamento tem regras específicas e deve sempre ter um clube de tiro como destino. Com o direito ao porte, as restrições diminuiriam.
Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo identificou 27 candidaturas à Câmara e ao Senado de armamentistas e políticos regionais que querem formar em Brasília a “bancada dos CACs”. Além desses, há outros nove políticos com mandato no Congresso que recebem oficialmente o apoio do Pró-Armas para disputas ao Senado a governos estaduais, com a condição de tratar a pauta armamentista com absoluta prioridade. Há ainda 23 candidatos às assembleias estaduais e distritais. Todos estão distribuídos por PL, PMN, Podemos, PP, PRTB, PSC, PTB, PTC e Republicanos, partidos que formam o Centrão.
A bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados.
Número de pistolas liberadas pela PF dobra
O número de novas pistolas liberadas pela PF (Polícia Federal) cresceu 170% na gestão do presidente Bolsonaro, que flexibilizou normas e deu ao cidadão comum acesso a calibres mais potentes que antes eram restritos às forças policiais.
Foram 108 mil novos registros de pistola em 2021, contra 40 mil em 2018, antes do atual governo. O número do primeiro semestre de 2022 já ultrapassa o de 2018. Os dados sobre novas armas registradas foram obtidos pela Folha de S. Paulo junto à PF a partir de um pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI).
Ivan Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse que o calibre de pistola mais comum no mundo, o 9mm, antes era restrito às Forças Armadas, forças policiais e CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Entretanto, o decreto de Bolsonaro, em 2019, libera para a população essa arma.
No Brasil, armas são liberadas pela PF e pelo Exército
É pela PF que o cidadão comum pode ter a posse de arma para defesa pessoal. No Sinarm (Sistema Nacional de Armas, usado pela PF) também ficam cadastradas armas da Polícia Civil, guarda municipal, caçador de subsistência, servidor público e lojas de armas.
Já no Exército ficam registradas armas de CACs, das Forças Armadas e o armamento particular de militares, incluindo policiais e bombeiros. Mas o Exército afirmou não ser possível detalhar o acervo por falta de padronização no registro (em resposta a um pedido via LAI feito pelo instituto Sou da Paz).
O porte de arma, por sua vez, é concedido pela PF, sendo restrito a determinados grupos, como profissionais de segurança pública, membros das Forças Armadas, policiais e agentes de segurança privada.
O que tem ocorrido é que aos CACs foi permitido carregar a arma no trajeto entre sua casa e o local de prática (clube de tiro ou local de caça), sem restrição de rota ou de horário —o que, segundo especialistas, significa autorização para o porte, dada a subjetividade da regra.
Além disso, tem ocorrido a aprovação de projetos apresentados por parlamentares em assembleias estaduais e até em câmaras municipais que tentam garantir ao CAC o direito de andar armado, justificando que essa seria uma atividade de alto risco, embora esse seja assunto de competência exclusivamente federal.
Bolsonaro quer guerra no Brasil
O discurso armamentista e golpista de Jair Bolsonaro (PL) e a facilitação para aquisição e porte de armas que ele vem promovendo têm surtido efeito no armamento da população nos locais em que ele venceu nas últimas eleições. O registro de novas armas são o dobro nos estados em que ele teve mais, de acordo com levantamento da Folha.
Já foram editados pelo atual ocupante do Planalto 19 decretos, 17 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que facilitam o acesso a armas e munições.
O clima bélico promovido por ele ao longo do mandato refletiu diretamente nesses números com aumento do registro de 39 mil para 163,7 mil, entre 2018 e 2021, nos 16 estados que mais votaram em Bolsonaro. Alta de 320%.
Já nos 11 estados nos quais Fernando Haddad (PT) venceu no segundo turno, o aumento foi de 223%, saindo de 12 mil para 38,8 mil, de acordo com o levantamento.
Quando se compara o número de habitantes com o de armas adquiridas é possível ter uma melhor noção do aumento de armas circulando.
Nos locais que elegeram Bolsonaro em 2018, a população é de 145,3 milhões de pessoas, segundo a projeção para 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso quer dizer que em 2022 houve uma arma nova para cada 1.700 pessoas.
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Bolsonaro se saiu melhor no Acre, Amazonas, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo
Nos estados onde Haddad venceu, a população é de 68 milhões de pessoas. Então, há um novo registro para cada 3.600 pessoas. Ele ganhou em Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins.
O que significa que são duas vezes mais armas por pessoa em 2022 onde Bolsonaro se saiu melhor em 2018, de acordo com os dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) à Polícia Federal (PF) e os que foram encaminhados pelo TSE.
A liberação de armas, contudo, não reflete a vontade da população. Pesquisa DataFolha mostrou que a cada 10 entrevistados 7 são contra a liberação de armas.
Com informações do Estadão e da Folha