
A pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), a Justiça do Rio expediu liminar no fim da sexta-feira (4), proibindo a TV Globo de exibir em suas reportagens documentos sigilosos de investigações relacionadas ao filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A decisão, sigilosa, é da juíza de primeira instância da 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, Cristina Feijó. A magistrada atendeu a um pedido de liminar dos advogados Rodrigo Roca e Luciana Pires, que defendem o senador. A TV Globo ainda não se pronunciou a respeito.
Flávio Bolsonaro é suspeito de liderar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), onde foi deputado até o início de 2019.
Em publicação em rede social na noite desta sexta, o senador comemorou a decisão e deu parabéns à sua defesa.
“Acabo de ganhar liminar impedindo a #globolixo de publicar qualquer documento do meu procedimento sigiloso. Não tenho nada a esconder e expliquei tudo nos autos, mas as narrativas que parte da imprensa inventa para desgatar [sic] minha imagem e a do Presidente @jairmessiasbolsonaro são criminosas.”
Flávio usou uma imagem com o logo da TV Globo em uma lixeira e escreveu também: “Juíza entendeu que isso é altamente lesivo à minha defesa. Querer atribuir a mim conduta ilícita, sem o devido processo legal, configura ofensa passível, inclusive, de reparação.”
Entidades apontam censura
A decisão da juíza que atendeu ao pedido de Flávio Bolsonaro ocorre menos de uma semana depois do juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, da 32ª Vara Cível do Rio de Janeiro, também proibir que o Jornal GGN, comandado pelo jornalista Luís Nassif, publique reportagens relacionadas a irregularidades em licitações e contratos feitos pelo Banco BTG Pactual. O banco foi fundado pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes, junto a outros sócios.
Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) afirmou que “qualquer tipo de censura é terminantemente vedada pela Constituição e, além de atentar contra a liberdade de imprensa, cerceia o direito da sociedade de ser livremente informada”. “Isso é ainda mais grave quando se tratam de informações de evidente interesse público”, declarou a associação.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) condenou a decisão da juíza. “É mais um atropelo à liberdade de expressão. É urgente que o STF restabeleça o império de lei”, escreveu o presidente da entidade, Paulo Jeronimo.
Marcelo Träsel, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), considera “qualquer tipo de censura prévia inaceitável numa democracia, sobretudo quando o alvo da cobertura jornalística é uma pessoa pública cujo mandato foi outorgado pelo voto, o que lhe traz a obrigação de prestar contas à sociedade”.
“Quem perde são os eleitores do Rio de Janeiro e todos os cidadãos, que terão dificuldades para acompanhar o andamento das investigações contra o filho do presidente da República e avaliar se as autoridades estão cumprindo seus deveres”, afirma Träsel.
‘Rachadinha’ comandada por Queiroz
Nesta semana, o Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc), do Ministério Público Estadual do Rio, concluiu as investigações, também sigilosas, sobre o filho do presidente. Elas foram abertas em julho de 2018 depois que um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj.
Para os promotores que apuram o caso, Queiroz era o operador do esquema que também faria lavagem de dinheiro por meio de imóveis e da loja de chocolates do senador. Queiroz recebeu mais de R$ 2 milhões em 483 depósitos de outros assessores do gabinete. Além disso, os investigadores localizaram imagens de Queiroz pagando despesas pessoais de Flávio em dinheiro vivo.
O ex-assessor agora cumpre prisão domiciliar em seu apartamento na Taquara, depois de ter sido preso na casa do advogado Frederick Wassef, que defendia Flávio na investigação.
Os autos foram submetidos para “tomada de providências” do procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, e para o subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Criminais e Direitos Humanos, Ricardo Ribeiro Martins.
R$ 89 mil para Michelle
Em agosto, reportagens da Folha e da revista Crusoé mostraram também que a quebra do sigilo bancário Queiroz revelou 27 repasses dele e da mulher, Márcia Aguiar, para a atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Esses cheques somaram R$ 89 mil, pagos de 2011 a 2016.
Os possíveis crimes apontados pelo Ministério Público do Rio a Flávio e Queiroz são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. Ainda não há, porém, uma denúncia formal protocolada.
Foro especial para Flávio
Em junho, o Tribunal de Justiça do Rio concedeu foro especial ao hoje senador, o que tirou o caso das mãos do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, que havia mandado prender o ex-assessor Fabrício Queiroz também naquele mês.
No dia 17 de agosto, Gussem, determinou em ofício a abertura de apuração de eventuais responsáveis pelo “fornecimento das informações divulgadas na imprensa sobre o caso das ‘rachadinhas'”. A defesa do senador já recorreu ao Conselho Nacional do Ministério Público questionando a divulgação de informações sigilosas da investigação.
Com informações da Folha e O Globo