“Fernando, vai você. Nós vamos juntos! Vamos buscar os nossos melhores dias.” Assim Márcio França (PSB) encerrou seu vídeo divulgado nas redes sociais há cerca de um mês onde anunciou a desistência de sua pré- candidatura ao governo de São Paulo e o apoio a Fernando Haddad (PT).
Até o início de julho o estado contava com duas pré-candidaturas do campo progressista, mas França já havia dado declarações em que dizia que quem estivesse melhor nas pesquisas deveria ser o candidato.
Leia também: Eleições: Danilo Cabral empata com Marília em Pernambuco
Haddad já liderava os levantamentos e hoje tem 33% das intenções de voto no primeiro turno, segundo a Real Time, divulgada nesta semana. França será candidato ao Senado e também aparece em primeiro lugar, com 26%. Seu suplente será Juliano Medeiros, presidente do PSOL. A esposa de França, Lucia, será vice de Haddad.
Em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia, França elogiou Haddad e pediu uma grande aliança para derrotar o bolsonarismo e defender a democracia. Por isso, sugeriu a Lula o nome do vice que conquistou o ex- presidente: Geraldo Alckmin. França conhece bem o agora pré-candidato a vice na chapa presidencial que lidera a disputa.
Advogado, Márcio França começou sua carreira política “em São Vicente, município da Baixada Santista, em São Paulo, como vereador em 1989, foi prefeito da cidade, deputado federal, secretário do então governador Alckmin e depois vice-governador, chegando a assumir quando o ex- tucano concorreu a presidência da República, em 2018. Desde 1988, França está no Partido Socialista Brasileiro (PSB).
“Rivalidade política entre PT e PSDB era algo saudável para o Brasil”
“Para explicar a importância dessa frente, desde o primeiro momento usei uma figura de linguagem do nosso cotidiano que é a seguinte: quando você pensa em um estádio de futebol ao fechar os olhos, se você ver uma cor verde, única, em uma parte do campo, imagina que todo mundo ali torce para o Palmeiras por exemplo, para o Guarani, ou algum time verde; e se você pensa no outro lado e está tudo preto, você imagina que todos ali torcem para o Corinthians, o Santos, o Atlético-MG e assim por diante.
Transferindo para as eleições, é mais fácil a compreensão para todos se tivermos candidaturas que vão unificando um campo, um time. Estamos brigando por poucos votos. De cerca de 120 milhões de eleitores, devemos ter mais ou menos uns 100 milhões que já definiram seus votos e vão polarizar. Os outros 20 milhões vão se definir no final por uma diferença de um ou dois milhões de votos, que pode ser determinante para uma vitória em primeiro turno, ou não. Isso faz uma grande diferença para o Brasil e nas eleições não podemos dar chances ao acaso.
Se houver uma chance no primeiro turno, nós temos que persegui-la porque é muito importante para o país que a democracia vença. Todos temos que fazer um esforcinho a mais nessa reta final. Sabemos que em São Paulo o Lula perdeu cinco eleições seguidas. Ele ganhou, se não me engano, em algum segundo turno, mas em primeiros turnos ele perdeu todas.
É um Estado que tem um arranjo econômico muito mais equilibrado, onde as pessoas têm uma vida pessoal mais equilibrada economicamente, especialmente no interior existe um padrão de vida bem bacana se comparado com outros lugares do Brasil. Então as pessoas até querem uma mudança, mas sem muita pressa e se muitas mudanças.
E São Paulo é um Estado chave. Se atingirmos uma diferença mínima em São Paulo no que se refere a esses votos, é provável que ganhemos no primeiro turno. Por isso esse caminho que percorremos aqui, a começar pelos gestos do Lula e do Alckmin em se juntarem na chapa.
Esses dias encontrei com um ex-embaixador da Argentina e ele me disse que essa junção aqui no Brasil foi o fato político mais relevante no mundo. Afinal de contas, se ela der certo, que é o que estamos esperando, e podendo de fato vencer no primeiro turno, a mensagem será de que o Brasil voltou a orientar o mundo, em especial na pacificação.
Digo isso, primeiro porque muita gente que não conhece o Lula tinha receio dele ter guardado rancor depois de tantas injustiças que sofreu, o que seria até comum. Mas a atitude do convite ao Alckmin vai exatamente no sentido contrário disso. É surpreendente e coloca que a rivalidade política entre PT e PSDB era algo saudável para o Brasil, pois era uma disputa política, não bélica. Ninguém nutria sentimentos de ódio e violência pelo adversário político.
Era apenas uma divergência de posições, tanto que um entregou a faixa para o outro, as vitórias foram parabenizadas etc. Mas com o advento desse novo governo, nós introduzimos uma grande novidade, e para explicar, dou sempre o exemplo do que aconteceu na Alemanha que, para ser derrotada na Segunda Guerra Mundial, foi preciso que todos os demais países, divergentes entre si, fizessem uma aliança. E assim mesmo levou-se um tempão até a guerra ser vencida.
Então, assim como naquele momento, temos hoje no Brasil dois círculos políticos: um democrático
e um não democrático. Esse segundo círculo não democrático, nós achávamos que havia se encerrado, mas ele nunca deixou de existir, estava apenas guardado numa jaula esperando ser cutucado pelo acaso para ser levantado. Então, só uma união do círculo democrático para derrotar esse fantasma, e essa união é o
fato novo ao qual me refiro.”
“Em menos de 10 segundos, Lula me pediu o telefone de Alckmin”
“A primeira vez que falei do Alckmin para Lula foi na sua casa em São Bernardo. Acho o Lula muito interessante porque ele é rápido de raciocínio. Quando ele perguntou que nome eu estaria pensando, afinal já havia conversas sobre o meu partido indicar um nome, e muito se falava em Marcelo Freixo, Flávio Dino, e outros. Mas eu falei para ele que estava pensando em um nome que acredito que se encaixaria perfeitamente e lhe disse: ‘não é uma pessoa que o senhor está acostumado a lidar, mas com o tempo vai gostar dele, porque ele é discreto, na dele, e vai lhe completar um perfil que é o que deve fazer um bom vice.’ E na sequência, quando lhe disse que esse nome era Geraldo Alckmin, ele rapidamente pensou, raciocinou e em menos de 10 segundos me pediu o telefone do Alckmin.”
“Haddad tem muita sensibilidade”
“O Haddad tem uma característica – e tive essa percepção naquele evento em que o Lula e o Alckmin estiveram juntos pela primeira vez – de muita sensibilidade. Foi a única pessoa que eu vi chorando, sem ser o Lula, quando a Janja contou a história recente do ex-presidente e as injustiças que sofreu. O Haddad passou muito próximo disso
tudo. Quando houve a prisão do Lula, muita gente de todos os campos, em especial do PT, tinha medo. Não era qualquer um que toparia cumprir uma jornada como a que o Haddad cumpriu em 2018 honradamente. Então ele tem esse acúmulo emocional com o Lula de ter a preferência para ser candidato daquilo que entendesse. Acredito até que antes da possibilidade do Alckmin, Lula pudesse levá-lo como vice.
No entanto, quando surge o Alckmin e de alguma forma o Haddad contribui para essa operação, ele acaba ficando com a candidatura ao governo de São Paulo, que é a de maior prestígio além da de presidente e vice. Ele ainda tem um aspecto de galã, experiência em gestão pública e uma sensibilidade que o diferencia dos outros candidatos.”
“Alckmin é um homem muito simples”
“Ele está feliz na campanha do Lula, e é recíproco. O Alckmin é um homem muito simples. Durante esse período em que esteve afastado da política, descobri que ele tem um hábito esportivo, digamos assim, que é muito engraçado. Certa vez eu o vi um tanto corado de sol e perguntei: ‘governador, o senhor tem ido muito a praia?’ E bem, eu sei que ele não vai à praia de jeito nenhum, não é o perfil dele. Então ele me falou que foi para Pindamonhangaba, ao sítio que herdou do pai, um sitiozinho super simples. Perguntei se lá tinha uma piscina, pra ele ter tomado o sol, ao que me respondeu: ‘não, eu estava capinando’. Peguei as mãos dele, cheias de calos e perguntei: ‘mas pra quê?’. Ele respondeu que ao capinar o terreno, você vira a terra e o que aparece é o ‘humus’, da ‘humilhação’. Então ele disse que fazia isso para lembrar que todos nós um dia seremos humilhados, virados na terra, e que isso eleva a alma e aproxima de Deus. Ou seja, ele não fazia isso para plantar algo, era uma prática muito mais complexa. Aí fiz uma piada e falei para ele que queria mandar um monte de gente ir passar um final de semana lá com ele, capinando (risos). O Alckmin é uma pessoa muito interessante, cheia de histórias, e
simples, do interior. Ele até se sentia um pouco descolado da intelectualidade do PSDB.”
“Doria vive numa redoma”
“O Doria [João Doria, ex-governador de São Paulo] tem a personalidade de um produtor de eventos, do ponto de vista privado. Ele é muito bom nisso, ganhou dinheiro com isso inclusive. Mas os eventos são coisas curtas ou
superficiais. Você faz um evento de algumas horas ou dias – ninguém aguenta um seminário de um ano, por exemplo. Então, o Doria não tem paciência para coisas públicas, de governo, pois sempre está querendo novas coisas o tempo inteiro, e não se adaptou a esse ritmo. Também é muito insensível, pois vive em uma redoma onde nunca se viu uma nota de cinco reais, então nem sabe que existe, e não é por mal. Primeiro, como alguém tem coragem de aumentar todos os impostos no meio de uma pandemia? Sendo que, a única exceção foi o imposto sobre combustíveis de aeronave, que caiu em 50%, e quando perguntado, responde que era ‘porque todo mundo anda de avião’, fica claro que este ‘todo mundo’ é simplesmente o ‘todo mundo que ele conhece’
Ou seja, vive em uma redoma e no final das contas apresenta insensibilidade com a maioria da população e uma visão de mundo distorcida. O Doria é o primeiro caso de um governador de São Paulo que foi expulso do Palácio. E nem na convenção do PSDB, que ele queria ir, deixaram. Mandaram ele para o exterior. Eles sabem que se tiver que levar o Doria junto na campanha pelo Palácio dos Bandeirantes, ou qualquer outra, a eleição está perdida. Penso que ele está sofrendo agora o que fez outras pessoas sofrerem no passado, como por exemplo o Alckmin, que se sentiu traído por ele.”
“Pai de Bolsonaro não tinha a mesma visão que ele”
“Há muitos empresários sofrendo em São Paulo, porque acabaram tendo seus negócios fechados. E a marca desses últimos governos, tanto federal como estadual, é uma marca de total inexperiência para crises. E bem, quando surgem crises, as pessoas percebem quem tem mais experiência para navegar em águas revoltas e quem não tem. E nessa hora conta muito a pessoa ter um passado semelhante, de alguém que já passou por outras crises e sabe reagir quando aparecem as dificuldades. O Brasil vai precisar muito disso nesse momento porque vemos, por exemplo, que o Congresso Nacional foi alugado. O que está sendo feito hoje é um escândalo. Faltam
dias para as eleições e estão aprovando mudanças de valores em auxílios, entre outras coisas ilegais. É nitidamente uma tentativa de tirar a decisão do eleitor comprando-o a partir das suas necessidades mais básicas.
Mas essa grana é da população, e ela deve pegar essa grana, usar para as necessidades, sobreviver, comer e depois votar em quem quiser, que será provavelmente o candidato que ela sentir que entende a sua situação. E nisso não tem comparação, é só olhar para o Lula, ver ele falando, em qualquer ambiente, e você acompanha uma fala simples, de alguém que passou por esse ambiente simples e pelas dificuldades que as pessoas comuns
passam. Ele tem sensibilidade para esse tipo de pessoa, que é quem mais precisa do serviço público.
O Bolsonaro poderia ter tido isso, porque veio de serviço público e também de uma origem mais simples. Minha avó era de Eldorado Paulista, exatamente a terra dele. É uma cidade até hoje com muita dificuldade no Vale do Ribeira, próxima a Registro. Não o conheci jovem, ele foi servir o Exército muito cedo e eu passei minha infância em Iguape e Cananeia, que são naquela região.
Eldorado é a cidade do Rubens Paiva, um grande socialista e referência para todos nós, o último deputado que faleceu no Rio, assassinado após fazer uma fala na Rádio Nacional. O pai dele foi prefeito de Eldorado
algumas vezes. E o pai do Bolsonaro foi candidato do MDB contra a Arena umas três vezes em Eldorado, portanto o pai dele não tinha a mesma visão que ele apresenta.”
“Precisamos evitar o acaso nas eleições”
“Em eleição, se você puder evitar o acaso, evite. Fatos muitos fortes podem mudar eleições, como foi a facada contra o Bolsonaro em 2018. Ou ainda a morte, em acidente de avião, do Eduardo Campos em 2014. A então vice de Campos na época, Marina Silva, naquele dia aparecia liderando as pesquisas presidenciais. Por isso precisamos nos esforçar ao máximo para ganhar logo, no primeiro turno.”