
A cúpula da CPI da Pandemia pretende aprofundar a investigação envolvendo o pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina no governo Jair Bolsonaro (sem partido) para a compra de vacina contra a covid-19.
A comissão quer focar a apuração nos fatos e personagens que estavam presentes no jantar ocorrido em 25 de fevereiro em que o assunto teria sido tratado entre um vendedor da empresa Davati Medical Supply e Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do Ministério da Saúde.
“A história da propina é intacta. É importante aprofundar a investigação, ouvir os outros personagens citados e manter o foco nessa denúncia”. Renan Calheiros
Um primeiro passo nesse sentido será o depoimento na próxima semana, provavelmente na quarta-feira (7), de Roberto Dias.
CPI vai votar pedido de acareação
Antecipando que Dias vá negar todos os fatos, os senadores da CPI se preparam para votar um dia antes um pedido de acareação entre todos os personagens que participaram daquele jantar.
A CPI entrou nas duas últimas semanas em uma nova fase das investigações, que foca a apuração em possíveis irregularidades e casos de corrupção na aquisição de imunizantes.
A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno do contrato de aquisição da indiana Covaxin, quando foi revelado no último dia 18 o teor do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal (MPF), que relatou pressão “atípica” para liberar a importação da Covaxin.
A partir do episódio da Covaxin, outro caso de suspeitas de irregularidades foi levantado, envolvendo a empresa Davati Medical Supply. A reportagem do jornal Folha de S. Paulo localizou Luiz Paulo Dominguetti, que se apresentou como vendedor da empresa. Em entrevista ao jornal ele disse que Roberto Dias cobrou propina de US$ 1 por dose de vacina para fechar contrato. Após a reportagem, Dias foi exonerado.
Na quinta-feira (1º), Dominguetti prestou depoimento à CPI e reafirmou as denúncias que havia feito. Em mais uma manifestação oficial, a Davati afirmou nesta sexta-feira (2) desconhecer o pedido de propina.
“A Davati jamais participou de qualquer negociação ilícita”. Herman Cardenas, CEO da Davati Medical Supply
Davati diz ter distribuidor para fornecer vacinas
A Davati usou nas diversas conversas que teve para supostamente tentar vender vacina o argumento de que existia um distribuidor que teria afirmado ter uma alocação de produção de 400 milhões de doses do laboratório da AstraZeneca. Em nenhum documento o nome do distribuidor é apresentado.
O Painel pediu informações à empresa, que disse que ia verificar, mas depois afirmou que não se manifestaria. A venda paralela de vacinas também está na mira da CPI da Pandemia.
Herman Cardenas, dono da Davati Medical Supply, também foi procurado, mas não respondeu. Diversas prefeituras assinaram uma carta de intenção com a empresa nesses termos. Nenhuma dose foi vendida.
Momento polêmico
A oitiva de Dominguetti foi marcada por um momento polêmico, quando o depoente divulgou um áudio contendo diálogo entre representante da Davati e o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor do Ministério da Saúde e que afirmou ter levado suspeitas sobre a Covaxin diretamente a Bolsonaro.
Dominguetti, que também é policial militar, afirmou que se tratava de uma negociação envolvendo vacinas contra a covid, mas acabou desmentido posteriormente.
O fato provocou desconfiança de que o depoente tivesse sido “plantado” na comissão para tirar a credibilidade de Miranda. Governistas, por sua vez, usaram esse episódio para tentar enfraquecer as denúncias.
CPI quer investigar pedido de propina
A cúpula da CPI, no entanto, considera grave a denúncia sobre cobrança de propina e por isso quer aprofundá-la. Para isso, buscam blindar esse front de apurações para que não seja atingida pelas polêmicas presentes no depoimento.
Na mesma linha, o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), tem dito que o depoimento de Dominguetti foi importante porque confirmou que recebeu um pedido de propina e porque trouxe um novo nome que estaria presente no jantar, o do coronel Alexandre Martinelli.
Leia também: Pressão de Lira e Ramos em Pazuello para liberar “pixulé” para o centrão
Ao Painel, Martinelli negou que estivesse presente no jantar e avalia ir à Justiça por conta da menção a seu nome no depoimento. Uma das formas avaliadas pelo grupo majoritário da CPI, formado por senadores independentes e oposicionistas, de tentar blindar a denúncia de propina seria deixar de lado momentaneamente a polêmica referente ao áudio.
Por isso há a possibilidade de segurar temporariamente a convocação —cujo requerimento já foi aprovado—do representante da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho. Dominguetti disse na sessão que foi Carvalho quem repassou a ele a gravação.
Dias e Martinelli na mira da CPI
Os parlamentares querem indagar Dias sobre o pedido de propina e também questioná-lo em relação à participação dos dois outros, ambos militares. Além de supostamente Martinelli, teria participado do encontro o tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-diretor substituto de logística da Saúde. Os dois não faziam mais parte do ministério quando participaram do encontro.
Blanco também já é alvo de requerimento aprovado na CPI para prestar depoimento. Conforme revelou o Painel, ele abriu uma empresa de representação na véspera do jantar.
A cúpula da CPI também pretende não desviar o foco da investigação envolvendo a Covaxin, que consideram mais consolidada e adiantada. Os senadores avaliam inclusive que o anúncio da suspensão do contrato com a Precisa Medicamentos seria um “reconhecimento de culpa”.
Para eles, dois depoimentos na próxima semana serão importantes para esclarecer os procedimentos dentro do Ministério da Saúde.
CPI continua com dois focos
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), a CPI continua com dois focos. O primeiro seria esgotar o assunto sobre os erros na condução da pandemia no ponto de vista da saúde pública, como a imunidade de rebanho. Já o outro é identificar se houve corrupção com o dinheiro destinado ao combate da pandemia.
Em relação às vacinas, o petista disse que a intenção é ouvir as pessoas relacionadas ao caso da Covaxin, mas a comissão também continuará investigando o pedido de propina no caso da Davati. Avaliou ainda que é perceptível como o governo federal trabalhou com mais agilidade em algumas negociações que o interessava, como a Covaxin, e demorou a conduzir outras, citando as tratativas com a Pfizer e o Instituto Butantan.
“Isso aconteceu porque há grandes interesses envolvidos. A minha suposição é de que há uma disputa de organizações criminosas no Ministério da Saúde”. Humberto Costa
Próximos depoimentos
Na próxima terça-feira (6), deve comparecer Regina Célia Silva Oliveira, que teria autorizado a importação da Covaxin apesar de problemas no contrato.
Dois dias depois, será ouvida a diretora de Integridade do Ministério da Saúde, Carolina Palhares, que deve falar sobre seus relatórios de fiscalização. Senadores querem saber se ela fez pareceres sobre os contratos com a Precisa e, se sim, querem acesso aos documentos.
Embora não divulgue publicamente, a cúpula da CPI pretende avançar na investigação das ligações existentes entre a Precisa e personagens ligados ao presidente Bolsonaro, em especial ao senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
Leia também: Oposição quer investigar lobby de Flávio Bolsonaro para dono da Precisa
A CPI evita um confronto direto com requerimentos, autorizando a quebra de sigilos de pessoas ligadas ao filho mais velho do presidente. Por isso investe em requerimentos ordinários, que não precisam ser votados, para obter dados da Receita Federal de personagens como os advogados Frederick Wassef e Willer Tomaz, esse último apontado como amigo de Flávio.
Em relação ao sócio-administrador da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, os senadores pretendem segurar o reagendamento do seu depoimento. Só querem marcar uma nova data após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o recurso apresentado pela CPI para reverter o habeas corpus que garantiu o direito de Maximiano ficar em silêncio ao depor.
Com informações do jornal Folha de S. Paulo