
Um estudo realizado pelo Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil e publicado pela jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, mostra que episódios neonazistas têm praticamente dobrado a cada ano de governo de Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com a entidade, foram 114 episódios desse tipo desde 2019, ano em que foram registradas 12 ocorrências. Em 2020, foram 21 casos e, em 2021, 49. Já em 2022, foram 32 episódios apenas no primeiro semestre.
E os autores do estudo não esperam queda nos episódios neonazistas até o final deste ano.
O grupo foi criado em 2018, após as eleições que levaram Bolsonaro ao poder, por judeus preocupados com o que entenderam como a “ascensão política no país de um projeto de extrema direita”.
Os autores consideraram episódios neonazistas quando houve referência direta a Adolf Hitler, ao nazismo e ao holocausto, incluindo fatos ou símbolos. Foram contabilizadas também as declarações que negaram a morte de milhões de pessoas e as que afirmaram que nazismo era movimento de esquerda.
Ainda de acordo com o levantamento obtido pela jornalista, os episódios antissemitas, que voltados especificamente para os judeus, cresceram menos. Em 2019 e em 2020, foram registrados 12 casos; em 2021, 18 e outros 11 no primeiro semestre deste ano.
O levantamento foi feito a partir de casos divulgados pela imprensa e episódios em redes sociais.
“Esse crescimento sinaliza a gravidade de um processo que, em nosso país, atinge sobretudo os grupos que historicamente sofrem racismo estrutural. Na Alemanha nazista, o foco principal foram os judeus. No Brasil, as vítimas são os povos indígenas e afrodescendentes”, diz o estudo publicado por Mônica Bergamo.
Banalização do mal
O estudo do Observatório Judaico destaca os ataques contra escolas em Suzano (SP), em 2019, e em Saudades (SC), em 2021. Além da tragédia com as várias mortes de crianças e funcionários das escolas, os ataques resultaram em investigações que mostraram que os autores eram ligados a grupos neonazistas.
A entidade afirma que os dados “alertam para a normalização da desumanização e a licença para a violência característica do nazismo”.
“As teorias da conspiração renovadas, o uso de situações do holocausto como referência para comparação com situações de cuidado, entre outros casos relatados neste documento alertam para a normalização da desumanização e a licença para a violência características do nazismo, do neonazismo e neofascismo. E obviamente, do antissemitismo”, diz o estudo.
O estudo será lançado esta semana e foi feito por Alberto Kleinas, Alexandre Leone, Clara Goldman Ribemboim, Clara Politi, Clarisse Goldberg, Claudia Heller, Dina Czeresnia, Fabio Silva, Ricardo Bessen, Samuel Naum Neuman e Sandra Felzen.
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Ligação de Bolsonaro com o neonazismo
A cientista social, antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, que dedica sua vida ao estudo do avanço dos grupos neonazistas no mundo e, especialmente no Brasil, divulgou dados preocupantes sobre o tema.
“Somente em 2021, quase 1 milhão de pessoas leram material neonazista”, declarou, em entrevista à edição desta terça-feira (18) do Fórum Onze e Meia.
Além da leitura, esse conteúdo acabou sendo propagado de diversas formas, principalmente por meio das redes sociais, inclusive estimulado por Jair Bolsonaro (PL), que nutre uma ligação antiga com esses grupos.
Outro número assustador, segundo Adriana, é que hoje há 530 células de 52 grupos neonazistas. Isso representa que há focos “em quase todos os estados do Brasil”.
Para corroborar que a ligação de Bolsonaro com o neonazismo é antiga, Adriana relembrou que encontrou uma carta do atual presidente publicada em sites neonazistas em 2004. Três sites diferentes de neonazistas mostravam um banner com a foto de Bolsonaro e o link que levava ao site que o então deputado tinha na época, além de uma carta em que ele afirmava:
“Ao término de mais um ano de trabalho, dirijo-me aos prezados internautas com o propósito de desejar-lhes felicidades por ocasião das datas festivas que se aproximam, votos ostensivos aos familiares. Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato”, dizia a carta.
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Nazismo tropical
O Partido Nazista no Brasil — nome dado à seção do partido nazista alemão no país — operou durante dez anos, de forma legal e disseminou ideais totalitários e antissemitas por meio de jornais, eventos e até em escolas da comunidade alemã. Para alguns historiadores, trata-se do maior partido nazista fora da Alemanha durante o Terceiro Reich (1933-1945).
No livro “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”, a historiadora Ana Maria Dietrich explica que o NSDAP (sigla em alemão para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o nome oficial do Partido Nazista) mantinha diversas organizações no exterior, com atuação em 83 países. O Brasil, aponta, teve o maior grupo de partidários fora da Alemanha: 2.900 filiados.
“A maior seção do partido nazista, uma filial, por assim dizer, é no Brasil. É muito impressionante, ele se expandiu por 17 estados brasileiros”, observa a historiadora Heloísa Starling, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O partido chegou primeiro em Santa Catarina, mas operou também em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Pará e Mato Grosso. A primeira seção foi inaugurada cinco anos antes de Adolf Hitler chegar ao poder.