
A Lei de Acesso à Informação (LAI) — a “Lei 12.527/2011″— , que entrou em vigor há dez anos, nunca foi tão atacada em um governo como na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Em quase quatro anos de mandato, o presidente já coleciona uma série de transgressões e contrariedades aos preceitos de transparência pública estabelecidos na legislação brasileira.
A lista não é pequena e vai desde imposição de sigilo de 100 anos para o cartão de vacina do chefe do Executivo a ampliação do número de pessoas com poder de decretar segredo em documentos públicos.
Ao todo, o levantamento da da organização não-governamental Transparência Brasil reuniu mais de quatro dezenas de casos em que o governo Bolsonaro atentou contra a LAI ou sonegou informações de acesso público.
A LAI permite que qualquer cidadão solicite dados da administração pública federal, estadual ou municipal, dos três poderes. O órgão público tem até 20 dias para responder aos questionamentos. Esse período pode ser renovável por mais dez dias. Em caso de negativa, é possível recorrer ao próprio órgão ou a instâncias superiores, como a Controladoria Geral da União (CGU).
Das diversas agressões do governo contra a LAI, o Socialismo Criativo selecionou as dez mais relevantes (e perigosas) que a gestão de Bolsonaro protagonizou. Confira:
1. Os donos do sigilo
► Decreto 9.960/2019
O governo Bolsonaro alterou regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) no Executivo federal determinadas no decreto 7.724/2012, ampliando o grupo de agentes públicos autorizados a colocar informações públicas nos mais altos graus de sigilo: ultrassecreto (25 anos, renováveis por mais 25) e secreto (15 anos).
Foi revogado após pressão da sociedade civil e possibilidade concreta de derrota no Congresso, que mostrava tendência de derrubar o decreto.
2. Redução da participação social
► Decreto 9.759/2019
Extinguiu colegiados federais (conselhos, comitês, grupos de trabalhos, entre outros), reduzindo a participação social — e, consequentemente, a transparência —, no governo. O próprio decreto é pouco transparente, pois não enumera os colegiados a serem extintos e tem redação dúbia.
Foi parcialmente derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
3. Prazo estendido
► Medida Provisória 928/2020
Suspendeu os prazos de atendimento a pedidos de informação determinados na Lei de Acesso a Informações, sem possibilidade de recurso contra tais negativas de atendimento a pedidos. Na prática, suspendeu a transparência passiva garantida pela LAI.
Teve os efeitos suspensos após liminar deferida pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, e confirmada pelo plenário do Supremo.
4. Orçamento secreto
► Decreto 10/888
A norma “finge” impor publicidade às emendas de relator — que compõem o orçamento secreto —, mas não obriga a divulgação de nomes dos “padrinhos” das emendas nem determina a criação e/ou aperfeiçoamento de sistema que reúna essas informações.
5. Omissão de informações
► Março/abril de 2020
O Planalto se recusou a divulgar resultados dos exames segundo os quais o presidente Bolsonaro teria testado negativo para a Covid-19. Os exames só foram divulgados após batalha judicial com o jornal O Estado de S.Paulo.
6. Informações sobre a Covid-19
► Junho de 2020
O Ministério da Saúde tira do ar o portal com dados oficiais de casos da Covid-19 no país, sob a justificativa de alteração de metodologia de divulgação. O novo portal colocado no lugar não continha o número acumulado de casos e mortes e deixou de divulgar as taxas de contaminação e óbitos por 100 mil habitantes e de letalidade. Não era mais possível, além disso, fazer o download da base de dados.
Bases de dados com o histórico da Covid-19 e de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Brasil desapareceram do repositório do Sistema Único de Saúde (SUS).
Após pressão da sociedade e decisão do STF, algumas informações voltaram ao ar.
7. Sanções & Vetos
► 2019 e 2020
Em contrariedade a LAI e até a si própria, a Controladoria-Geral da União (CGU) adotou o entendimento de que pareceres jurídicos usados para embasar a sanção e vetos presidenciais a projetos de lei aprovados no Congresso são sigilosos. Segundo a CGU, aplica-se o sigilo entre cliente e advogado em relação à Advocacia-Geral da União (AGU) e às assessorias jurídicas dos órgãos federais.
8. Orçamento secreto II
► Janeiro de 2021
A existência do orçamento secreto é revelada, evidenciando a falta de transparência do Ministério do Desenvolvimento Regional na aplicação das emendas de relator e do Congresso Nacional no uso do instrumento.
9. Trabalho escravo
► Maio de 2021
Governo federal nega acesso a relatórios de fiscalização de trabalho análogo à escravidão, contrariando entendimentos anteriores pela publicidade dos dados e ancorando-se na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
9. Pastores lobistas
► Abril de 2022
O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) nega acesso aos registros de entrada e saída, no Palácio do Planalto, de pastores acusados de cobrarem propina de prefeitos para liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Justifica a negativa com o argumento da proteção de dados pessoais, contrariando entendimento já estabelecido pela CGU de que tais dados devem ser fornecidos.
Após repercussão negativa, o órgão liberou os dados.
Importância da LAI
Com a criação da Lei da Transparência, em 2011, os órgãos dos poderes e dos governos municipais passaram a tratar da transparência pública em sites dedicados à prestação clara e concisa dos dados. O incentivo à transparência pública é uma característica dos governos atuais. A democracia é baseada no poder do povo e sua legitimidade se dá quando o indivíduo tem amplo acesso às informações da Administração Pública, um direito previsto no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira.
Com a aprovação da Lei de Acesso à Informação, o Brasil garantiu ao cidadão o direito amplo a qualquer documento ou informação produzidos ou custodiados pelo Estado que não tenham caráter pessoal e não estejam protegidos por sigilo.
De cumprimento obrigatório para todos os entes governamentais, essa Lei produz grandes impactos na gestão pública e exige, para sua efetiva implementação, a adoção de uma série de medidas que podem ser auxiliadas pela CGU, por meio do programa Brasil Transparente.