Os três minutos de pronunciamento em que Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a mentir aos brasileiros foram marcados por gritos de ‘assassino’ e ‘genocida’ na noite desta terça-feira (23). A fala – uma terceira tentativa do presidente de se dirigir à nação –, ocorreu na mesma noite em que o país ultrapassou a marca dos 3 mil mortos diários pela Covid-19 e se chegou mais perto dos 300 mil vítimas feitas pela doença até o momento. Ao todo, o Brasil soma 298.676 mortos e 12.130.019 de infectados pelo vírus.
Protestos contra o governo foram registrados em pelo menos 16 capitais, nas cinco regiões do país. De São Paulo a Belém, passando por Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Curitiba, Fortaleza, Recife, Goiânia e Belo Horizonte, também foram ouvidos apelos de ‘Fora, Bolsonaro’.
Na fala gravada – assim como nos demais pronunciamentos durante a crise sanitária –, Bolsonaro afirmou que “desde o começo” da pandemia batalhou para deter os dois grandes desafios impostos pela crise, do ‘vírus ao desemprego’, e declarou que em “nenhum momento o governo deixou de tomar medidas importantes para combater o coronavírus”.
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Com o Brasil no epicentro mundial da tragédia sanitária, na contramão de sua própria práxis e das declarações negacionistas feitas ao longo do último ano, Bolsonaro se vangloriou do fato do Brasil estar “na quinta posição no ranking de vacinação no mundo”, sem citar, no entanto, a proporcionalidade de infectados: “Temos mais de 14 milhões de vacinados e mais de 32 milhões de doses de vacina distribuídas para todos os estados da federação”, disse o presidente.
De acordo com o Our World in Data, iniciativa liderada pela Universidade de Oxford, o Brasil, no entanto, segue em 60º lugar no levantamento proporcional à população. Na América Latina, segundo o instituto, o Chile continua sendo exemplo de imunização, enquanto Uruguai e Argentina já ultrapassaram o Brasil no ranking proporcional de doses ofertadas, de acordo com a população. O Uruguai aplicou 9,91 doses a cada 100 habitantes até o momento, contra 6,95 da Argentina e 6,64 do Brasil.
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Bolsonaro também não fez qualquer menção à rejeição do governo federal às três ofertas da farmacêutica Pfizer, que fez com que o país deixasse de obter ao menos 3 milhões de doses do imunizante.
Também não citou o cancelamento da compra internacional, em agosto de 2020, pelo ministério da Saúde, de medicamentos do chamado ‘kit intubação’, como apontou um ofício do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A denúncia, feita na semana passada, indica que a irresponsabilidade do governo tornou mais grave a situação vivida por pacientes infectados à espera de leitos de UTI.
Ainda na tentativa de minimizar a própria postura diante do aumento da rejeição ao seu governo, Bolsonaro garantiu que “em poucos meses”, o Brasil será autossuficiente na produção de vacinas.
“Não sabemos por quanto tempo teremos que enfrentar essa doença, mas a produção nacional vai garantir que possamos vacinar os brasileiros todos os anos, independentemente das variantes que possam surgir”.
Ao fim do discurso, ele ainda garantiu que ‘muito em breve, os brasileiros retomarão a vida normal’.
À espera dos panelaços prometidos, o mandatário chegou a interromper uma reunião com deputados da Frente Evangélica para se preparar para a repercussão.
De acordo com a coluna Radar, da Veja, o presidente se desculpou com os participantes do encontro, que não constava em sua agenda oficial, e deixou o gabinete na companhia de Fábio Faria, ministro das Comunicações. Paulo Guedes, ministro da Economia, que também estava presente, continuou a conversa com os parlamentares.
Confira a íntegra do discurso de Bolsonaro:
Boa noite. Estamos no momento de uma nova variante do coronavírus, que infelizmente tem tirado a vidas de muitos brasileiros. Desde o começo eu disse que tínhamos dois grandes desafios: o vírus e o desemprego. E em nenhum momento o governo deixou de tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus como para combater o caos na economia, que poderia gerar desemprego e fome.
Quero destacar que hoje somos o quinto país que mais vacinou no mundo. Temos mais de 14 milhões de vacinados e mais de 32 milhões de doses de vacina distribuídas para todos os estados da federação. Graças às ações que tomamos logo no início da pandemia, em julho de 2020, assinamos um acordo com a Universidade de Oxford para a produção na Fiocruz de 100 milhões de doses da vacina AstraZeneca. E liberamos, em agosto, 1 bilhão e 900 milhões de reais.
Em setembro de 2020, assinamos outro acordo, com o consórcio Covax Facility, para a produção de 42 milhões de doses. O primeiro lote chegou no domingo passado. E já foi distribuído para os estados. Em dezembro, liberamos mais 20 bilhões de reais, o que possibilitou a aquisição da Coronavac, através do acordo com o Instituto Butantan. Sempre afirmei que adotaríamos qualquer vacina, desde que aprovada pela Anvisa, e assim foi feito. Hoje, somos produtores de vacina em território nacional. Mais do que isso, fabricaremos o próprio insumo farmacêutico ativo, que é a matéria prima necessária.
Em poucos meses, seremos autossuficientes na produção de vacinas. Não sabemos por quanto tempo teremos que enfrentar essa doença, mas a produção nacional vai garantir que possamos vacinar os brasileiros todos os anos, independentemente das variantes que possam surgir. Neste mês, intercedi pessoalmente junto à fabricante pfizer para a antecipação de 100 milhões de doses, que serão entregues até setembro de 2021. E também com a Janssen, garantindo 38 milhões de doses para este ano. Quero tranquilizar o povo brasileiro e afirmar que as vacinas estão garantidas. Ao final do ano, teremos alcançado mais de 500 milhões de doses para vacinar toda a população.
Muito em breve, retomaremos nossa vida normal. solidarizo-me com todos aqueles que tiveram perdas em suas famílias. que Deus conforte seus corações. estamos fazendo e vamos fazer de 2021 o ano da vacinação dos brasileiros. somos incansáveis na luta contra o coronavírus. Essa é a missão e vamos cumpri-la. Deus abençoe o nosso Brasil