
O Brasil chegou a triste e revoltante marca de meio milhão de brasileiros mortos pelo coranavírus. Neste sábado (19) o país registrou 500 mil pessoas mortas pela Covid-19 desde o início da pandemia. É como se a toda a população de Vila Velha (ES), Florianópolis (SC) ou Macapá (AP) fosse exterminada. O país tem 2,7% da população global e 12,8% das mortes pela covid no mundo. Se o país tivesse 2,7% das mortes do planeta, seriam 92 mil óbitos.
O Brasil surpreende negativamente até nas piores expectativas, que previam que meio milhão de pessoas morreriam até julho de 2021. Estamos um mês adiantados.
A vacinação caminha a passos lentos, senadores buscam os culpados pela tragédia na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continua a propagandear tratamentos que não funcionam, promover aglomerações e incentivar que a população se coloque em risco.
Como se não bastasse, ele quer que quem tomou a vacina deixe de usar a máscara, recomendação que faz de maneira totalmente oposta ao de médicos e cientistas, como todas as demais que partem de Bolsonaro. E, na véspera do país chegar aos 500 mil mortos, disse que a infecção seria “mais eficaz” contra a doença. O que é mentira e totalmente descartado pela ciência.
Socialistas comentam triste marca
Cansada de ficar à mercê da própria sorte, a população voltou às ruas neste sábado (19). Os socialistas apoiam os protestos e lamentam a trágica marca alcançada pelo país. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, afirma que a data é de indignação com as perdas e solidariedade com as famílias.
O governador do Maranhão, Flávio Dino, que se filiará ao PSB na próxima terça-feira (22), decretou luto oficial no estado pelo meio milhão de vidas perdidas.
O líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), também lamentou a marca macabra. “Em vez de vacina, o governo escolheu cloroquina e informação”, criticou.
O deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) prestou solidariedade aos amigos, familiares e brasileiros que perderam entes queridos para a covid. “Vítimas diretas e indiretas da pandemia e desse governo nefasto, negacionista e genocida”, escreveu.
O deputado federal Gervásio Maia (PSB-GO) classificou a marca de meio milhão de mortos como um fato “devastador”. “O Brasil chora hoje pelas mais de 500 mil vidas perdidas”, escreveu.
“Quantas famílias foram destruídas? Quantas mortes poderiam ter sido evitadas com as medidas corretas e com a compra mais rápida da vacina?”, questiona o deputado federal Aliel Machado (PSB-PR).
Mais vítimas da Covid-19 do que cinco genocídios
O genocídio na Bósnia, na década de 1990, teve entre 30 e 40 mil mortos, menos de 10% das vítimas da pandemia no Brasil. Só o massacre de Srebrenica, ocorrido em 1995 na Bósnia, que foi considerado “genocídio dentro do genocídio”, teve 8 mil vítimas. No final da década de 1980, o Iraque teve 150 mil curdos mortos no genocídio do Iraque.
O massacre de populações de etnias negras em Darfur, no oeste do Sudão, já deixaram entre 100 mil e 400 mil desde 2003. A perseguição ao grupo étnico dos rohingya, minoria muçulmana de Mianmar, contabiliza 30 mil mortos desde 2016.
É questão de tempo para que o genocídio de Bolsonaro alcance ou ultrapasse o genocídio de tutsis pelos hutus em Ruanda (entre 800 mil e 1 milhão de mortos), genocídio armênio (1,5 milhão de mortos entre 1915 e 1922) ou do Holocausto judeu, maior genocídio da história humana (6 milhões de mortos).
Brasil concentra mortes por Covid-19 no mundo
Nossos mortos representam 25% de todas as pessoas no mundo que perderam a vida pela covid desde abril deste ano. No início da tarde deste sábado (19), o total de mortos chegou a 500.022, e o de casos confirmados, a 17.822.659, segundo dados levantados pelo consórcio de veículos de imprensa sobre a situação da pandemia no Brasil.
De 17 de março até 10 de maio, foram 55 dias seguidos com essa média acima de 2 mil. No pior momento desse período, a média chegou ao recorde de 3.125, no dia 12 de abril. A primeira morte pela doença no país ocorreu em 12 de março de 2020, em São Paulo. A primeira infecção confirmada foi registrada no Brasil alguns dias antes, em 26 de fevereiro de 2020.
Na sexta-feira (18), foram registrados 98.135 novos casos, a maior marca desde o início da pandemia. A marca anterior havia sido em 25 de março, com 97.586 notificações, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa. No dia 6 de abril deste ano, foi registrado o pior dia da pandemia, com 4.211 mortes pela doença. Em todo o ano de 2020, o país registrou 194.976 mortes.
Tratamento que não funciona
Mais de um ano depois de o mundo dizer não ao tratamento da covid-19 com cloroquina e hidroxicloroquina, por não ter efeito sobre a doença e, pior, poder gerar graves problemas de saúde, o Brasil continua no sentido oposto com Bolsonaro.
Tido como o maior “garoto-propaganda” de um tratamento precoce que não existe, Bolsonaro teve apoio em sua eleição do empresário e tem retribuído de maneira contundente. Mais que propaganda, como noticiou o jornal O Globo, o chefe do Executivo solicitou ao primeiro-ministro da Índia Narendra Modi, que acelerasse a exportação de insumos para a fabricação de hidroxicloroquina.
Apoio vem de mais tempo
Os beneficiados foram os laboratórios EMS e Apsen. Renato Spallicci, presidente do Apsen, é um apoiador convicto do presidente nas redes sociais desde antes da eleição de 2018. A empresa afirma que apenas cerca de 5% de sua receita atual advém da cloroquina, mas admite que houve uma alta na venda do produto.
A receita líquida da Apsen no ano passado chegou a R$ 816,31 milhões, ante R$ 691,34 milhões no ano anterior, o que representa uma alta de 18% em meio à pandemia. O lucro líquido da companhia no ano passado bateu a marca de R$ 65,06 milhões, 31,9% a mais do que o registrado em 2019.
O presidente da EMS, Carlos Eduardo Sanchez, não mostra alinhamento público com o governo Bolsonaro. Mas já participou de eventos ao lado do presidente. Em 2012, ele integrou o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, ligado à Presidência da República, durante o governo Dilma Rousseff.
Exército investe em ineficácia
Além de Bolsonaro tratar pessoalmente com a Índia, o Exército gastou R$ 1,14 milhão na produção de 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina em 2020. A informação consta em documento entregue ao Ministério da Defesa para a CPI da Pandemia no Senado.
A última vez que a instituição militar havia solicitado a produção do medicamento foi em março de 2017, quando havia gasto R$ 43,4 mil para 259.470 compridos, quantidade que foi suficiente para a demanda de 2018 e 2019, segundo o Exército. O remédio tem como recomendação o uso contra doenças como malária, lúpus e artrite reumatoide.
CPI da Pandemia no Senado
Instalada há pouco mais de dois meses, a CPI da Pandemia no Senado ouviu dois ex-ministros da Saúde Bolsonaro. Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich deixaram a pasta por conta do negacionismo do chefe do Executivo. Foi Mandetta quem confirmou a existência do gabinete paralelo de aconselhamento de Bolsonaro.
Quando chegou a vez de Eduardo Pazuello, ele foi munido de habeas corpus que o permitia ficar calado para não produzir provas contra ele. Ele mentiu reiteradas vezes e, na mesma semana, participou de aglomeração com Bolsonaro.
Mudança na bula e desprezo por vacinas
Em seu depoimento, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, confirmou que o governo queria mudar a bula da cloroquina e que isso foi levantado em uma reunião de ministros com o presidente, como havia dito Mandetta. Questão que pela própria dinâmica do mercado, seria feita pelos laboratórios fabricantes, o que não ocorreu em nenhum momento.
O ex-presidente da Pfizer no Brasil e atual CEO para América Latina, Carlos Murillo, afirmou aos senadores que o governo não respondeu a três ofertas de 70 milhões de doses de vacinas da Pfizer em agosto de 2020, que foram simplesmente ignoradas. Assim como as 10 tentativas propostas feitas pela empresa.
O governo Bolsonaro também negou ofertas de vacinas do Instituto Butantan, em São Paulo. O diretor da instituição, o médico e pesquisador Dimas Covas, disse que a instituição fez três ofertas de vacina ao governo em 2020, todas rejeitadas. Só a primeira a remessa teria garantido 60 milhões de doses ainda no final de 2020. O diretor afirmou também que a instituição pediu ajuda financeira do governo para montagem de uma fábrica de vacinas que poderia ampliar a capacidade de produção, mas o apoio não veio.
Campanha por tratamento ineficaz
Entre as muitas controvérsias, ex-secretário de Comunicações Fábio Wajngarten negou que a Secom havia contratado influenciadores bolsonaristas para fazer campanha sobre “tratamento precoce” com uso de cloroquina para combater a covid-19. Mas ao ser apresentado com dados de que uma agência contratada pelo governo pagou R$ 23 mil a esses influenciadores, Wajngarten confirmou a contratação por “terem muitos seguidores”.
Já o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que já arrumou confusão com o embaixador da China no Brasil, confirmou ter mobilizado o Itamaraty para garantir cloroquina após o medicamento ter sido descartado para tratamento da covid-19. Também assumiu que ignorou a Venezuela, que doou oxigênio para o Amazonas em janeiro, quando pessoas morreram asfixiadas por falta do gás.
Médicas negacionistas de Bolsonaro
Nyse Yamaguchi, a médica que titubeou sobre a diferença entre vírus e protozoários, negou fazer parte de um conselho paralelo de aconselhamento a Bolsonaro, mas admitiu que participava do que chamou de um “conselho independente voluntário” de discussão sobre a pandemia, organizado pelo empresário Carlos Wizard. Ele, aliás, ignorou as convocações dos senadores, que agora querem reter o seu passaporte e obrigá-lo a depor.
Na vez da “Capitã Cloroquina”, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde da pasta, mentiu, ao menos, 11 vezes. Inclusive na negativa de que a Saúde tenha indicado cloroquina para tratar covid-19.
A pediatra jogou a culpa do aplicativo TrateCov, que receitava cloroquina para qualquer coisa, em cima dos seus subordinados e admitiu ter espalhado fake news sobre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). No bolo de desinformação que ela fez circular por áudio de Whatsapp, está a história dos pênis espalhados por toda parte, que na visão dela existiriam na Fiocruz.
No final das contas, nem Capitã Cloroquina nem o ex-ministro Eduardo Pazuello explicaram como o Brasil chegou a este ponto da pandemia e Manaus viveu o terror da falta de oxigênio. O ex-secretário de Saúde do estado, que chegou a ser preso pela Polícia Federal, Marcellus Campêlo, disse que a ajuda do Governo federal chegou tarde ao Estado e que, mesmo diante da escalada da crise do oxigênio, a gestão Jair Bolsonaro seguiu pregando a prioridade do ineficaz “tratamento precoce” contra a doença provocada pela covid-19.
Ministro da Saúde investigado
Nesta sexta-feira (18), 14 pessoas passaram a ser investigadas, incluindo o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Para além disso, o número de mortos pela doença não para de subir e o Brasil deve se tornar o primeiro em número de óbitos pela covid-19 no mundo.
O que, conforme dito pela microbiologista Natalia Pasternak à CPI, três de cada quatro mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas se o Brasil tivesse cumprido os protocolos científicos no combate à pandemia e não fosse governado por um negacionista. “Ou seja, quando atingirmos 500 mil mortes, isso quer dizer que 375 mil poderiam ter sido evitadas”, afirmou.
Números da vacinação
A vacinação contra a covid-19 começou tardiamente e caminha devagar no Brasil. Até agora, 61.859.364 pessoas tomaram a primeira dose da vacina, o que corresponde a 29,21% da população. Tomaram a segunda dose 24.171.806 pessoas, ou 11,41% da população. Dessas, 1.478.344 pessoas tomaram a primeira dose em 24 horas e outras 86.229 pessoas tomaram a segunda dose. Somando, foram 1.564.573 em 24 horas.
O país ainda está muito atrás no ranking dos que mais vacinaram completamente a população. De acordo com o site “Nosso mundo em dados”, ligado à Universidade de Oxford, países pequenos como Seicheles e San Marino lideram, com mais de 60% da população completamente vacinada. Depois, vêm Israel, Chile, Reino Unido, Estados Unidos, Uruguai, Portugal, França, China, México. O Brasil ocupa a 71ª posição.
Diversos estudos já demonstraram que para alcançar a proteção coletiva é necessário vacinar, pelo menos, 70% da população.
Mortes por covid-19 em outros países
Segundo a Universidade Johns Hopkins, em todo o mundo já foram confirmados 177.761.738 casos e 3.849.385 mortes por covid-19. Nos Estados Unidos são 33.519.349 casos da doença, com 601.281. A população lá é de mais de 330 milhões de habitantes.
Embora a população desse país seja maior que a do Brasil, o médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke (EUA), Miguel Nicolelis, acredita que em breve o Brasil terá mais mortes que os Estados Unidos. Em março, ele já alertava sobre as 500 mil mortes que o país viveria. A projeção dele acabou se confirmando um mês antes. Diante do histórico, ele também afirma que a terceira onda da doença já começou e será brutal.
Para se ter uma ideia da gravidade da pandemia no Brasil, basta fazer uma comparação com os países mais populosos do mundo. Na China, país onde a pandemia começou e que tem 1,41 bilhão de habitantes, são 103.501 casos com 4.846 mortes. Na Índia, país com 1,3 bilhão de habitantes, 29.762.793 de casos foram confirmados e 383.490 morreram vítimas da doença.
Modelos para o mundo
Porém, conforme destacou a antropóloga Claudia Leitão em debate sobre a Autorreforma do PSB, esta semana, “está na hora do Sul olhar para o Sul”. A situação da pandemia em países como Austrália e Nova Zelândia tem uma distância abissal do Brasil e são considerados exemplos para todo o mundo. As populações são bem menores do os nossos 221,8 milhões de habitantes, porém, as políticas para o controle da pandemia parecem ter sido o que realmente fez a diferença.
Na Austrália, com um pouco mais de 25 milhões de habitantes, 30.322 casos da covid-19 foram confirmados, com 910 mortes. Nova Zelândia tem uma população bem menor, com apenas 5 milhões de habitantes, apenas 2.715 casos e 26 mortes foram registradas.
Ambos os países tomaram medidas rápidas, que incluem o fechamento das fronteiras e um confinamento preventivo obrigatório, e conseguiram erradicar a covid-19. Os países não abrem mão de medidas sanitárias e testagem em massa, rastreamento de casos e quarentenas isoladas para controle de surtos. Tudo com a adesão massiva da população.
Com informações da Opera Mundi, CNN, O Globo, BBC, IstoÉ, G1, Brasil de Fato, El País, Deutsche Welle, Uol