Um grupo de militares que ajudou a eleger o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018 tem defendido a construção de uma alternativa política para a disputa do Palácio do Planalto nas Eleições de 2022. O movimento, noticiado por O Globo, é encabeçado por oficiais da reserva. Entre eles, está o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo.
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Terceira via: nem Lula nem Bolsonaro
Caso a articulação prospere, pode prejudicar o plano do atual presidente de reeleição. Na última disputa, os militares representaram um dos pilares do projeto político de Bolsonaro. Integrantes das Forças Armadas têm presença massiva na gestão, na qual ocupam cerca de seis mil cargos comissionados.
Entre os militares que querem uma terceira via para 2022 está o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo.
“O centro tem uma grande chance agora, porque um grupo se perdeu na corrupção e outro não sabe governar. E para que existe eleição? Para corrigir. Precisamos voltar à normalidade e ao equilíbrio.”
General Santos Cruz
O também general Maynard Santa Rosa, que ocupou a Secretaria de Assuntos Estratégicos até novembro de 2019, concorda com o colega.
“O retorno do PT seria um retrocesso inaceitável. Por sua vez, o atual governo não conseguiu honrar o próprio discurso e cumprir o que todo mundo esperava.”
General Maynard Santa Rosa
Na semana passada, o general da reserva Paulo Chagas, que disputou o governo do Distrito Federal em 2018 com o apoio de Bolsonaro, distribuiu um texto pelas redes sociais com o título “Renovar é preciso”. Na mensagem, diz que o “Brasil está sem rumo e que “é hora de construir uma terceira via”. Chagas contou que resolveu escrever o texto depois de uma discussão com outros quatro oficiais de alta patente do Exército. A mensagem circulou entre militares no WhatsApp.
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Covid-19 pavimenta terceira via
O motor para a reorganização das forças políticas tem como combustível o negacionismo de Bolsonaro no enfrentamento à pandemia, que já resultou em mais de 300 mil mortes de brasileiros e brasileiras vítimas da Covid-19. Há ainda o retorno à cena política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve as condenações da Lava a Jato anuladas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin e está elegível para o ano que vem.
Um dos eleitores que Bolsonaro perdeu para 2022 foi Luis Stuhlberger, gestor do Fundo Verde, que conseguiu uma rentabilidade acumulada de 18.681% desde que foi criado, em 1997. Para efeito de comparação, o CDI no mesmo período avançou 2.230%. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, publicada no sábado (27), ele disse que o Brasil foi “o pior país do mundo na condução do combate à pandemia”, calculando que o atraso na vacinação resultou “tranquilamente” numa perda de 1,5% a 2% no PIB este ano, em torno de R$ 130 bilhões a R$ 140 bilhões. Considerando o custo do auxílio emergencial, a perda foi de R$ 200 bilhões.
Stuhlberger foi um dos que subscreveram à carta dos economistas, divulgada no domingo passado (21), que cobra efetividade no combate à Covid-19 no Brasil. Mais de 500 economistas, banqueiros e empresários divulgaram a carta aberta. Sem citar o nome do presidente Jair Bolsonaro o texto ressalta que é falso o dilema entre salvar vidas ou a economia.
Elite financeira também quer terceira via
A má gestão da Covid-19 por Bolsonaro também empurrou a elite financeira para a busca de uma terceira via. Parte importante da elite da indústria e do mercado financeiro, começa a se movimentar em busca de um candidato com chances de derrotar tanto Bolsonaro quanto Lula nas eleições de 2022.
As alternativas que aparecem com mais frequência nessas discussões da elite financeira, segundo o Valor Econômico, são os governadores de São Paulo, João Dória (PSDB), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD) e o apresentador Luciano Huck — embora haja dúvidas sobre a disposição do global em se candidatar. Não há questão fechada em torno de nenhum deles e isso não deve acontecer tão cedo.
Corrida pela vacina contra Covid-19
Um dos nomes dessa terceira via, ao menos para a elite financeira, é Doria. Nesta semana, houve mais um capítulo da disputa entre o tucano e Bolsonaro. O governador paulista e o governo federal disputaram uma corrida para anunciar a primeira vacina brasileira contra a Covid-19. O tucano apresentou pela manhã a ButanVac, que será produzida com insumos brasileiros, mas omitiu que a “concepção da tecnologia” foi de consórcio internacional.
Horas depois da divulgação da vacina produzida pelo Butantan, dois ministros do governo Jair Bolsonaro, em Brasília, anunciaram que outro imunizante contra a doença, criado em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, já havia pedido na quinta-feira o aval da Anvisa para início dos mesmos estágios de teste com humanos.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, negou porém que o anúncio do imunizante federal — sem detalhes sobre a pesquisa e sem ter mencionado a iniciativa do Butantan — tenha sido uma disputa por holofotes. Foi ele quem apresentou a jornalistas, em uma entrevista coletiva improvisada ao lado do recém-empossado titular da Saúde, Marcelo Queiroga, o avanço da pesquisa feita em parceria com a USP.
Lira e Pacheco sobem o tom
Até os aliados do Centrão acenam para um basta à omissão no enfrentamento à Covid-19 pelo governo Bolsonaro. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em forte pronunciamento na última quarta-feira (24), afirmou que o Legislativo não vai tolerar mais erros na condução do combate à pandemia da Covid-19. Ele subiu o tom e afirmou que “os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos”. O mais amargo deles é o impeachment e há 69 pedidos esperando análise dele.
O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) também parece ter chegado ao limite da paciência com a maneira como o governo Bolsonaro conduz a pandemia da Covid-19. Dois dias antes de Lira, ele elevou o tom das críticas direcionadas à postura negacionista do presidente. Mesmo sem citar o nome do chefe do Executivo, afirmou a segunda-feira (22) que “o negacionismo passou a ser uma brincadeira de mau gosto, macabra e medieval”.
Foi a eleição de Lira e Pacheco, em fevereiro, que revelou as fraturas do PSDB, DEM e MDB. O cenário que se desenhou após a vitória dos candidatos apoiados pelo Planalto sinaliza que os três partidos deverão disputar separadas a corrida presidencial do ano que vem, sem a sonhada união da oposição para enfrentar o presidente Bolsonaro. Essa divisão favorece o chefe do Executivo, que pode adotar a sua estratégia preferida: polarizar o debate com o PT.
Molon na liderança da Oposição na Câmara
Os novos líderes da Oposição e da Minoria na Câmara foram decididos esta semana. E o tom da atuação dos opositores na Câmara foi dado pelo novo líder da Oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ). Neste domingo (28), pelas redes sociais, Molon destacou que, junto com Marcelo Freixo (PSOL-RJ), escolhido líder da Minoria, vai atuar em diálogo com as forças progressistas e movimentos sociais para fortalecer a unidade da luta no parlamento e nas ruas contra Bolsonaro.
PSB defende Frente Ampla para 2022
O presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, vê com cautela a polarização do país com o retorno de Lula. Ele aposta em uma frente ampla com diversos setores da política, economia e sociedade que ofereça uma alternativa de poder contra o autoritarismo de Bolsonaro.
Siqueira é um crítico de Bolsonaro em todos os campos, mas especialmente no combate à pandemia da Covid-19. O líder socialista disse não ter dúvida que a eventual reeleição de Bolsonaro pode mergulhar o Brasil no autoritarismo. Neste domingo (28), ele usou as redes sociais para destacar a triste marca brasileira com a Covid-19: 3.368 mortes em 24 horas, totalizando 310.694 óbitos desde o início da pandemia.
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